O documentário O Índio Cor de Rosa Contra a Fera Invisível: A Peleja de Noel Nutels, de Tiago Carvalho, é composto por uma série de filmes privados e institucionais que registram contatos de homens brancos com diferentes povos indígenas, ao longo da primeira metade do século XX no Brasil, e pelo áudio de um depoimento do médico sanitarista Noel Nutels (que também aparece em vários desses filmes) ao Congresso Nacional, em 1968. Tanto as imagens quanto as palavras de O Índio Cor de Rosa Contra a Fera Invisível são muito fortes. Mas deixam uma sensação de vazio devastadora.
As primeiras impressionam pela qualidade e por seu conteúdo precioso. São registros de esforços raros, considerando a longa duração histórica brasileira, de uma aproximação não destrutiva dos brancos em relação aos indígenas. Por mais que ainda haja alguma dose de violência nessas imagens, em razão da permanência de uma posição de dominação do homem branco (é ele que mede, classifica, vacina e filma os corpos dos indígenas), elas carregam alguma esperança de cuidado e respeito por povos sistematicamente alijados de suas culturas, terras, existências. É como diz o próprio Nutels em determinado momento, diante de acusações de que o Parque do Xingu seria como um zoológico humano: “Não é verdade, mas se fosse, mesmo assim, valeria a pena. No Parque do Xingu, a primeira grande experiência de um processo novo de defesa das populações indígenas, ninguém quer civilizar ninguém. Ninguém quer impor a ninguém cultura, religião, nem coisa nenhuma. O que se quer é que o índio viva a sua vida. É que o índio viva! Viva, fique vivo!”
As imagens de O Índio Cor de Rosa Contra a Fera Invisível também são fortes no sentido de conseguirem apresentar a grandiosidade das culturas ameaçadas pelos brancos e dos espaços que elas habitam. E, num momento posterior, a devastação causada nelas pelo avanço de interesses predatórios. Como o próprio Nutels compara, as cenas da epidemia de fome que atinge um dos povos indígenas que ele filmou, no início da década de 1960, remetem às muito conhecidas imagens da libertação dos prisioneiros de Auschwitz, pela semelhança do estado físico em que ambos os grupos se encontravam.
Já as palavras do médico sanitarista carregam uma admirável autoconsciência, um olhar crítico mas realista para a sociedade brasileira, e, sobretudo, uma indignação ao mesmo tempo explosiva e controlada, reveladora da coragem de alguém que sabia do que estava falando – e que, por isso, não temia contrariar interesses poderosos mesmo no contexto de uma ditadura que os defendia.
Por fim, o vazio devastador deixado pelo filme tem a ver com seu momento de realização e exibição, em que tudo denunciado por Nutels continua acontecendo numa intensidade cada vez maior. O Índio Cor de Rosa Contra a Fera Invisível mostra e relata práticas perenes, nunca inteiramente interrompidas na história do Brasil, mas, no governo de um ex-militar com alma de garimpeiro que incentiva queimadas e defende a “integração” pura e simples dos indígenas à sociedade, cresce a sensação de que essas imagens e palavras foram simplesmente lançadas ao vento e que sua capacidade de realmente mudar algo é bastante reduzida.