O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface

O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface

Torcendo pelo Leatherface contra burgueses pseudo-progressistas.

Michel Gutwilen - 9 de março de 2022

É irônico que enquanto os dois primeiros filmes da franquia Massacre da Serra Elétrica sejam  marcados por uma violência crua que contamina todas as camadas de sua mise-en-scène — em suas imagens gráficas, na própria textura da película, nos ruídos sonoros da serra elétrica e gritos de personagens, nos cortes abruptos da montagem etc. — esta versão de 2022 (e aqui vale dizer que não vi mais nenhum filme da franquia) parece ser “clean” demais em diversos momentos. Afinal, por mais que exista sim um conteúdo gráfico (muito sangue, membros sendo quebrados, rostos cortados, cabeças decepadas etc.), muitas destas cenas parecem ser suavizadas pela própria escuridão dos planos (a iluminação é terrível) nas cenas interiores, assim como pela chuva em planos exteriores, como filtros. Neste sentido, um grande exemplo é quando o cano do esgoto é cortado pelo Leatherface em cima da protagonista, com ela sendo banhada em fezes, o que em tese poderia gerar um momento visualmente nojento, mas, ainda assim, ele não é tão nojento quanto poderia ser. Inclusive, o próprio massacre do ônibus, ainda que seja a melhor cena deste filme, poderia ser mais visceral em suas imagens, só que a própria decupagem truncada e a sua iluminação neon atrapalham que se aprecie completamente aquele banho de sangue.

Em termos narrativos, O Massacre da Serra Elétrica parece um rascunho escrito a várias mãos que resulta em um filme que atira para todos os lados. Por exemplo, ao longo da narrativa, uma personagem possui um passado traumático ligado a sobrevivência de um mass shooting em sua escola, apenas para no fim ela vir a se salvar usando arma, o que deixa um ponto de interrogação sobre o que se quer dizer aqui. O filme é anti-armas ou pró-armas? Não que todo filme precise tomar um claro posicionamento político (pensar isso seria um absurdo e inclusive ambiguidades são muito bem-vindas), mas a partir do momento que ele cria tal subtexto baseado em um tema sensível do mundo contemporâneo, não chegar a lugar nenhum com ele é no mínimo de má-fé. Há até quem defenda que o filme busca uma certa contradição inerente que é os EUA (a vítima de um tiroteio em massa se salvar com uma arma), mas não há outros elementos suficientes durante a narrativa que mostrem que o filme quer revelar essa “característica” da América, o que comprova o quanto ele é confuso neste ponto.

De mesmo modo, desde a primeira interação do grupo de protagonistas com os locais, a trama caminha muito claramente para ser um filme de confronto de classes, do velho vs. novo, de gentrificação. Inclusive, essa tensão se sobrepõe ao elemento racial, que por sua vez até existe, mas logo é esquecido. Dentro deste confronto, o espectador é conduzido para ser muito mais simpático ao Leatherface do que aos forasteiros. Aqui, o clássico vilão ganha uma certa “justificativa” para seus atos: sua mãe é morta injustamente por os personagens que chegam (indiretamente), além de que todos os protagonistas são irritantemente caracterizados como burgueses hipsters com uma postura civilizatória e “moderinhos”. Inclusive, o filme funciona melhor quando assume um lado de um torture porn que vai se  encaminhando para fazer o espectador sentir prazer em ver todos aqueles personagens imbecis morrendo. Acompanhamos aquelas pessoas fugindo e se escondendo de Leatherface, mas não queremos que elas obtenham êxito. Obviamente a cena do ônibus é bem representativa de qual lado o filme está, principalmente porque idiotiza todos aqueles figurantes que pegam seus celulares para fazerem uma live, assim como vai matando um a um de maneiras bem criativas.

Por outro lado, parece haver também uma certa relutância em assumir esta sua filiação “anti-progressista”, como se tivesse vergonha. Inclusive, no que parece ser um conflito entre interesses narrativos vs. comerciais, o re-surgimento de Sally, a protagonista do filme original,  soa como um fan service deslocado introduzido por pressão dos produtores, mas que acaba contradizendo a própria narrativa. Afinal, o ressurgimento da heroína faz com que o espectador naturalmente volte para o lado das sobreviventes (e também faça o filme ganhar um aspecto feminista de sororidade), anulando tudo que ele fez anteriormente para que desgostemos dos personagens. No mesmo sentido, investir e aprofundar o drama das duas irmãs sobreviventes parece se esforçar para criar uma simpatia a elas, o que também é um movimento contraditório. Ou seja, novamente Leatherface vira o o mal a ser derrotado. Aliás, que ela exista mais como uma gag (já que a história vai criando uma antecipa dela ser uma grande guerreira moldada pelo tempo, apenas para ela ser humilhada pelo vilão) mostra bem que não se sabe muito bem o que fazer com ela. No fim, pelo menos o longa volta aos trilhos de suas intenções originais e acaba com a piada da menina vendo sua irmã ser decepada enquanto é levada pelo carro automático.

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