“O Olho Mágico do Amor” (1981) tem início com uma situação que remete a “Psicose” (1960): a jovem secretária Vera (Carla Camurati) descobre, numa sala decorada com diversos pássaros empalhados (ela está em seu primeiro dia de trabalho na Sociedade Paulista de Amigos da Ornitologia, localizada na Boca do Lixo), um orifício na parede que lhe dá acesso às intimidades sexuais da prostituta Penélope (Tânia Alves). Dirigido pela dupla José Antonio Garcia e Ícaro Martins, o filme parece, aos poucos, se desprender dessa referência primeira, assumindo mais abertamente a identidade levemente erótica ainda em voga no início da década de 1980. A constante exploração do corpo de Camurati pela câmera de Garcia e Martins é sintomática disso.
Na verdade, entretanto, “O Olho Mágico do Amor” permanece uma experiência hitchcockiana até o fim. Não na sua dimensão mais óbvia do “filme de suspense”, mas no interesse constante em tratar da irresistibilidade do gesto de olhar, presente na breve cena de “Psicose” referenciada e em “Janela Indiscreta” (1954) como um todo. Desse último, aliás, vem a analogia do voyeurismo com o cinema. Vera escrutina a ação desenrolada no quarto ao lado e, conforme seu olhar se confunde com frequência cada vez maior com o do espectador, ela passa a conduzi-lo, chegando a introduzir novo orifício na parede, buscando por um melhor enquadramento para as cenas de sexo protagonizadas por Penélope.
Nesse movimento, “O Olho Mágico do Amor” se aproxima de “Matou a Família e Foi ao Cinema” (1969), de Julio Bressane, em que os muitos filmes vistos pelo protagonista a partir da ação narrada no título se tornam também objetos de apreciação do espectador extra-diegético. No miolo de “O Olho Mágico do Amor”, Vera some quase completamente de cena, como o assassino bressaneano. Há, portanto, um retorno de Garcia e Martins ao cinema brasileiro, do qual seu filme faz parte. Esse ato de fincar raízes é explicitado na ambientação da história na região da Boca do Lixo e, sobretudo, na predisposição a filmar aspectos grotescos da existência periférica numa metrópole terceiro-mundista. O vômito do pai de Vera e, antes, dela própria, o estupro na rua, o cafetão (Ênio Gonçalves) que, no bar, pede uma coxinha e um conhaque.
Num momento específico, “O Olho Mágico do Amor” também se posiciona de forma mais aberta, e com certo deboche, no interior desse cinema brasileiro, em prol de sua vertente paulista. Desprezados pelo Cinema Novo, inclusive por seu líder maior e porta-voz Glauber Rocha, os filmes da Boca do Lixo sobreviveram comercialmente em meio a ataques verbais e censórios e à competição econômica desigual com grandes produções da Embrafilme, capitaneadas por cinemanovistas ao longo da década de 1970. Daí ser significativo que Garcia e Martins incluam na narrativa a notícia da morte de Glauber, ocorrida naquele mesmo ano de 1981. Seu anúncio na TV é encoberto pela falação dos familiares de Vera, muito mais interessados em discutir aspectos de um cotidiano banal do que em celebrar a obra de um grande artista cujos filmes, provavelmente, jamais viram ou veriam.
A propensão ao popular, portanto, marca profundamente “O Olho Mágico do Amor”. O sentido aqui é o da representação do cotidiano periférico afinada com a sensibilidade estética e as preferências artísticas dos próprios consumidores de cinema que se encontram nessa posição, mas criando, dentro dela, brechas para reflexão sobre aspectos da natureza dessa arte. O resultado é um filme que consegue, ao mesmo tempo, funcionar como mero exploitation erótico e pensar sua própria condição com considerável lucidez.