Na cena de abertura de “O Preço da Verdade”, ambientada em 1975, um grupo de jovens invade um local proibido, propriedade de uma empresa química, para nadar. A construção desse momento evoca os inícios de “Tubarão” (1975), de Steven Spielberg, e principalmente “Piranha” (1978), de Joe Dante. Filmes de monstro. Mas os jovens não são atacados por alguma criatura misteriosa e sim surpreendidos por funcionários do local, que os expulsam de lá e continuam sua ronda de barco sobre águas escuras, de textura aparentemente anormal. O verdadeiro monstro de “O Preço da Verdade” está prestes a se revelar: a megacorporação DuPont, poluidora do meio ambiente e destruidora da saúde de inúmeras pessoas.
Todd Haynes, diretor habituado a um cinema de fortes marcas autorais, que transita, em sua filmografia, entre o melodrama cotidiano (“A Salvo”, “Longe do Paraíso”, “Mildred Pierce” e “Carol”) e cinebiografias musicais vanguardistas (“Velvet Goldmine” e “Não Estou Lá”), se encontra aqui fora de lugar. “O Preço da Verdade” é, no limite, um filme genérico anti-corporação, muito semelhante a tantos outros lançados todos os anos nos Estados Unidos, buscando algum destaque na temporada de premiações.
E “genérico” é um termo que define com precisão vários aspectos do filme. A crise no casamento do protagonista, o advogado Rob Billot (Mark Ruffalo), decorrente de sua obsessão pelo caso que investiga, é telegrafada desde o início e surge quase como uma obrigação a ser cumprida numa história desse tipo – a construção da personagem da esposa (Anne Hathaway) é bastante pobre, com o filme desejando atribuir a ela uma dignidade nos momentos de maior dramaticidade que soa bastante aleatória, nada orgânica.
A forma como é apresentado o representante da DuPont (Victor Garber) também segue o protocolo de um cinema americano de denúncia: ardiloso e, quando pressionado, vilanesco. E sequer é dado a Garber tempo para explorar essa dimensão caricatural do personagem, o que ao menos poderia gerar algum tipo de prazer espectatorial diante de um vilão sem meios tons. O ator tem apenas duas ou três cenas, todas esquecíveis.
Há coisas boas em “O Preço da Verdade”. Mas, na verdade, elas são mais indícios do quão melhor o filme poderia ter sido. Bilott passa por um processo de exaustão de suas energias com potencial para produzir alguma força dramática. Mas aí Haynes precisaria ter feito um filme maior e que deixasse um pouco de lado a mensagem para mergulhar mais fundo nos personagens. Em suma, ele teria que dirigir um novo “O Informante” (1999). Ainda assim, a cena final de “O Preço da Verdade”, diretamente ligada a essa questão da dedicação prolongada de Bilott ao processo contra a DuPont, funciona bem, sobretudo pela competência de Ruffalo em criar um sujeito que cativa pela persistência.
O filme também tem algumas composições visuais bonitas, elegantes, que remetem à presença de um diretor de forte personalidade estética por trás das câmeras. Mas insuficientes para elevá-lo a um patamar distinto daquele em que se encontram tantos representantes desse subgênero. No fim das contas, “O Preço da Verdade” é, ou deveria ser, um filme sobre o peso do tempo. A longa duração das consequências ambientais e na saúde daqueles afetados pelos produtos da DuPont; a demora de um processo complexo contra uma empresa poderosa e a frustração que isso produz nas pessoas que se engajaram numa luta por justiça aparentemente eterna. Mas Haynes entrega apenas um esboço de tudo isso.