Os primeiros dois filmes da franquia Predador buscavam aproveitar, a seu modo, os elementos de sucesso do Cinema da época. Em “Predador” (1987), Arnold Schwarzenegger estrela uma espécie de “Apocalypse Now” com um alienígena caçador assassino. “Predador 2” (1990) explorou ao máximo o sucesso de “Máquina Mortífera”, emulando a maior parte da trama e da atmosfera deste filme, ao ponto de trazer Danny Glover para o papel principal. Após o crossover “Alien vs. Predador”, houve um movimento de “volta às origens” com “Predadores” (2010), mas sem conseguir repetir o clima do original. Finalmente, 2018 traz “O Predador”, dirigido e co-escrito por Shane Black, que atuou no primeiro filme. Um entretenimento honesto, mas sem muito brilho próprio.
“O Predador” começa com uma perseguição no espaço, da qual a nave em fuga se refugia na Terra e seu piloto faz um pouso forçado. Esse é o momento em que o protagonista Quinn McKenna (Boyd Holbrook) cruza o caminho do Predador, coletando parte de seus equipamentos como evidência de que teve contato com uma forma de vida alienígena. A forma como a trama avança a partir disso está nos trailers: os equipamentos do Predador acabam em posse de Rory (Jacob Tremblay), filho de Quinn com Transtorno do Espectro Autista e uma capacidade cognitiva acima da média.
Enquanto Rory mexe na tecnologia alienígena e chama a atenção da nave que perseguia o Predador que caiu na Terra, Quinn precisa reunir uma equipe para salvá-lo. Paralelamente, uma organização misteriosa comandada por Traeger (Sterling K. Brown) busca a resposta para uma perturbadora questão a respeito dos Predadores, com a ajuda da bióloga Casey Bracket (Olivia Munn). O problema de tantos núcleos, personagens e interesses é que “O Predador” apresenta muito, mas desenvolve pouco.
Há uma novidade interessante sobre a evolução dos Predadores, que aproveita a popularização da engenharia genética nas últimas três décadas e respeita a essência do que são estes alienígenas: entusiastas da caça esportiva que respeitam presas inteligentes e valorizam confrontos em igualdade de condições. Ao mesmo tempo, o motivo que traz os Predadores de volta à Terra é risível e parece estar ali apenas para que o estúdio demonstre algum nível de consciência ambiental. A personagem de Olivia Munn é um plot device ambulante, quase uma guia de feira de ciências para o público, sem motivações ou evolução aparente entre o começo e o final do filme. Algo que também pode ser dito de Traeger, alguém cujos interesses no Predador nunca verdadeiramente entendemos.
Um ponto que merece uma análise à parte é a forma como Rory é construído pelo roteiro. Seu tipo de autismo, aparentemente o savantismo, é fundamental para o desenvolvimento da história. Mas ele só aparece quando é conveniente: há uma cena, logo no começo do filme, que mostra sua dificuldade de adaptação no mundo exterior. Fora isso, o autismo só existe para justificar como uma criança de dez anos consegue traduzir a linguagem alienígena. Além de passar uma imagem equivocada do distúrbio (Bracket diz, com a convicção de quem fala de polegares opositores, que o autismo é “o próximo estágio na cadeia evolutiva”), o filme desperdiça o potencial enorme de tensão em combinar os ataques do Predador com uma crise da criança.
Porém, o filme tem pontos positivos. A equipe de Quinn funciona junta, os personagens são desenvolvidos a ponto de nos importarmos com sua segurança e há tempo até para apresentar amizades específicas dentro do grupo. Mesmo sendo genéricas (não espere por longos planos ou alguma orquestração de movimentos. “O Predador” não é “John Wick”), as cenas de ação funcionam e têm o menor índice de jump scares de toda a franquia. É também o primeiro filme com alívios cômicos intencionalmente plantados – e que funcionam. Além disso, Tremblay é incrivelmente carismático, compensando as incoerências de seu personagem.
Shane Black fez um filme-tributo a uma franquia “B” e aproveitou quase todos os elementos do passado: um protagonista durão, ode ao militarismo, corporações secretas e caçadas, tanto na floresta quanto na cidade. Escorrega em quase tudo o que traz como novidade e erra ao explicar conceitos que não precisam de explicação, como o funcionamento das armas dos Predadores. Algo parecido foi feito por George Lucas em “Star Wars” quando este inventou os midichlorians.
Mas há um gancho imenso para uma continuação. E se há uma coisa que a franquia Predador precisa fazer é trazer Schwarzenegger – e quiçá Danny Glover – de volta. Que seja no próximo filme.