O roteiro é a alma de um filme? Volta e meia nos deparamos com debates que giram em torno deste questionamento pela internet. Desde os primórdios do cinema, debates acerca de elementos da linguagem cinematográfica pautam a teoria fílmica: Eisenstein valorizava a montagem e os jovens cineastas da Cahiers du Cinema reivindicavam o autorismo de grandes diretores. Portanto, não é nenhuma novidade tratar de elementos cinematográficos separados e tentar elencá-los como mais ou menos importantes para um filme. No entanto, longe do teoricismo dos exemplos citados, as discussões acerca do roteiro cinematográfico ocorrem de forma casual e, até certo ponto, leiga. É óbvio que um roteiro cinematográfico possui sua importância para o direcionamento da história de um filme, com suas falas e situações pensadas a priori, porém uma história bem escrita não necessariamente é bem narrada.
Os 7 de Chicago, novo filme de Aaron Sorkin, é a prova viva disto. Embora conte com uma temática de extrema relevância para entendermos a polarização contemporânea, a maneira como o diretor e roteirista revisita o julgamento histórico dos 7 de Chicago é a mais frontal e simplista possível. Isso ocorre porque Aaron, ciente de suas qualidades enquanto roteirista, prioriza demasiadamente seu texto sobre seu filme. Filmes de tribunal tendem a ser verborrágicos, prolixos e Sorkin parece não possuir o menor interesse em mudar o caráter maçante destes filmes. São duas horas cansativas de diálogos incessantes aliados a planos e contra planos dos rostos de seus personagens. Não existem nuances, sutilezas por momentos não ditos, o diretor faz questão de que tudo que ocorra dentro daquele filme seja verbalizado por alguém.
Com isso, o excesso de exposição logo toma conta do longa e tira a força de alguns momentos minimamente interessantes, como a introdução dos personagens através de uma montagem paralela que alterna discursos de cada um deles com imagens de arquivo para mostrar que pessoas de contextos tão diferentes podem possuir um propósito comum: lutar pelo fim da Guerra do Vietnã. Mesmo em cenas dramaticamente fortes, como a do anúncio da morte de Fred Hampton, ou do abuso de autoridade fruto de um racismo estrutural sobre Bobby Seale, Sorkin acha maneiras de enfraquecer seu filme. Isso se dá pois o diretor trata seus personagens como meros dispositivos narrativos, que precisam cumprir um propósito para o caminhar da história e podem simplesmente sumir após terem seus arcos fechados. Dessa forma, o longa-metragem de Sorkin se torna um amontoado de eventos sequenciados de maneira abrupta, sem o devido tempo dramático necessário para que o público sinta o impacto destes.
Sorkin é um bom roteirista, isso é inegável. Basta ver o quanto seu texto contribuiu para o excelente A Rede Social, filme de David Fincher que aborda a disputa judicial entre Mark Zuckerberg e Eduardo Saverin pelos direitos do Facebook. Naquele filme, graças a presença de um excelente diretor, observamos através de movimentos perspicazes de câmera a desagradável figura egoísta do criador do Facebook isolado do mundo real em busca de validação no virtual.
No entanto, em Os 7 de Chicago, Sorkin recorre aos mesmos problemas de seu filme anterior, A Grande Jogada, onde a constante verbalização toma conta do longa-metragem e soterra qualquer potencial dramático do filme aos transformar seus personagens em meros veículos de seu roteiro, prejudicando qualquer possibilidade interpretativa para o filme.Assim, este novo lançamento da Netflix deixa a sensação de seguir o modus operandi dos últimos filmes estreados na plataforma: priorização da temática e do roteiro sobre unidade estilística, excelente para o algoritmo, pois encherá as redes sociais de prints de cenas isoladas e gerará cliques para a plataforma, mas brevemente será esquecido.
Ainda é cedo para julgar a carreira de Aaron Sorkin como diretor, mas ao repetir sua crença em suas palavras acima do poder audiovisual de um filme em Os 7 de Chicago, sua carreira recente parece fruto das discussões leigas citadas no primeiro parágrafo e distantes da potencialização dramática que Fincher obteve com seus ótimos roteiros.