Os Arrependidos lida com memórias pouco usuais no cinema brasileiro que aborda a ditadura militar. No centro de sua narrativa estão ex-guerrilheiros que, no início da década de 1970, se arrependeram publicamente da opção pela luta armada e fizeram elogios rasgados ao governo do general Médici – na maioria dos casos, após serem torturados. Os diretores Ricardo Calil e Armando Antenore entrevistam alguns desses sujeitos no presente, se abrindo às suas justificativas para as ações do passado e visões de mundo construídas desde então.
Essa generosidade com seus personagens é, de partida, um ponto positivo de Os Arrependidos. Seria fácil para os diretores, sobretudo considerando a existência legitimadora de um conjunto de filmes que valorizam as memórias heroicas da luta armada, encontrar mecanismos explícitos de condenação dos entrevistados. Principalmente de um deles, Rômulo Romero Fontes, que se tornou integralista e defende até hoje as palavras ditas na TV no início dos anos 1970, inclusive os elogios a Médici.
Mas Calil e Antenore optam por questionar, ouvir e respeitar. O contraponto ao que é dito surge nos relatos mais duros da parte final do filme, a tortura e o arrependimento do arrependimento, manifestos respectivamente nas palavras de Celso Lungaretti e na carta do já falecido Manuel Henrique Ferreira, lida por sua viúva e por sua filha no momento mais doloroso de Os Arrependidos. Restam desnecessárias quaisquer outras intervenções dos diretores no sentido de problematizar as falas de Fontes. Quer eles reconheçam ou não, todos ali são vítimas da ditadura militar. É essa a imagem que emerge do filme.
E que é reforçada pela presença opressiva e recorrente na narrativa de peças publicitárias do regime, apresentando um ideal harmônico de sociedade no qual os guerrilheiros representavam uma fissura a ser reparada de qualquer maneira. Essas cenas no filme dão às aparições televisivas dos arrependidos na década de 1970 o sentido propagandístico, construído, que eles (por motivos de sobrevivência) e a ditadura (por razões ideológicas) não podiam deixar transparecer. O encontro desses dois tipos de registros com as entrevistas no presente produz um todo muito violento e desconfortável, que abraça, sem receios, as complexidades do tema abordado.
Os Arrependidos consegue, portanto, ser um dos melhores filmes recentes sobre a ditadura militar brasileira, por combinar um uso cuidadoso e inventivo das imagens de arquivo (algo que às vezes parece raro nesse universo dos documentários históricos sobre o período) com uma relação honesta, respeitosa sem ser subserviente, com seus personagens.