Os Guardiões já nasce clássico. O filme russo de super-heróis ficará na história do Cinema ao lado dos pesos-pesados Sharknado, Pânico no Lago: O Capítulo Final e Piranha 2 como um dos filmes mais errados de todos os tempos. O que o torna indispensável para a formação cinéfila de qualquer um.
Criado na União Soviética da Guerra Fria, o Projeto Patriota tinha por objetivo formar um exército de pessoas com habilidades especiais. Contudo, a trama do filme se passa no presente, dando a entender que a produção de Os Guardiões não estava com paciência para fazer a pesquisa histórica adequada. O grande problema não é esse, mas o filme “esquecer” de avisar que saltou 40 anos no tempo. Quando estiver no cinema, ignore os alarmes que o seu senso crítico vai disparar: eventualmente, a trama de Os Guardiões fará sentido.
Quando fica confuso demais, o roteirista Andrey Gavrilov dá uma mãozinha com extensos diálogos expositivos. Em determinado ponto, qualquer indignação com a total aridez criativa se transforma em admiração pelo esforço de amarrar as pontas e manter o público interessado no que está acontecendo. O filme é tão desequilibrado na forma como distribui o tempo entre seus três atos que, após apresentar e reunir os quatro protagonistas em 20 dos seus 80 minutos, todas as informações sobre eles são passadas em conversas: um personagem com saudade da filha, outro apaixonado, um terceiro que se sente responsável pela morte do irmão… informações “relevantes” aparecem conforme a necessidade da história. Se possível, tenho certeza que o diretor Sarik Andreasyan usaria todo o tempo da película para cenas de ação, mas não se faz um filme de herói apenas batendo no vilão.
O vilão merece um capítulo à parte. Tipos como Kuratov estão em extinção no gênero. Comecei a me perguntar porque um cientista com planos de dominação mundial e superpoderes esperaria meio século para agir, mas depois achei melhor deixar pra lá. Sua conspiração para controlar todas as máquinas do mundo já estava ocupando toda a minha capacidade cognitiva. O próprio filme reconhece isso, pois o esquema é justificado com o par de falas “mas ele só poderia fazer isso se…” / “bom, na verdade…” três vezes num espaço de tempo inferior um minuto.
Particularmente, acredito na paixão como um fator indissociável de qualquer processo criativo. Ed Wood escreveu, produziu e dirigiu Plano 9 do Espaço Sideral, provavelmente o pior filme da História. E disse não se importar com a opinião das pessoas: “eu amo esse filme e ninguém pode tirá-lo de mim.” A mesma paixão é encontrada em Os Guardiões. Alina Lanina, a intérprete de Xenia, publicou em seu Instagram uma homenagem ao aniversário de dois anos da sua personagem, falando que “o processo da criação é mais importante do que o resultado final”. Como Nietzsche descreve no conceito filosófico do Eterno Retorno, devemos fazer aquilo que não nos arrependeríamos mesmo se ficássemos presos pela eternidade fazendo.
E devo admitir: ela se entrega ao papel. Talvez chamar a atuação de “boa” seja um exagero, mas as cenas de luta corpo-a-corpo (muitas protagonizadas por ela) são melhores do que qualquer uma produzida para Punho de Ferro, acreditem ou não. Inclusive na parte técnica, com planos se alternando entre abertos e próximos e os cortes de um pro outro dando fluidez à ação. Analisado apenas neste aspecto, Os Guardiões não deve nada a filmes de ação genéricos que alcançam o grande público. O que também chama a atenção é a abertura do filme, nem perto de brilhante, mas que consegue ser melhor resolvida do que a de Esquadrão Suicida.
Ninguém parece arrependido por ter feito Os Guardiões. E, honestamente, eu também não fiquei arrependido por ter visto. Já vi filmes piores.