Plano Aberto

Os Ossos da Saudade

Muito mais experimental do que pode parecer em um primeiro momento, Os Ossos da Saudade é um documentário que alcança momentos sublimes e raríssimos no cenário documental brasileiro recente. A obra de Marcos Pimentel acompanha pessoas de diversos cantos: Portugal, Angola, Moçambique… Em comum, todos têm uma relação espacial muito específica: a saudade, a dor do não pertencimento, do que já passou e não retorna. Além de uma obra sobre essa relação humana com o espaço, é também um filme sobre o tempo e sua força inevitável; sobre como ele causa diferentes dos quais não podemos escapar.

O tom experimental de Ossos se dá pela forma como Pimentel constrói sua narrativa não apenas a partir dos depoimentos de seus entrevistados, mas da tentativa (ao meu ver, bem sucedida) de nos fazer sentir o mesmo que eles. As imagens projetam um vazio e criam uma dialética com ciclos que se repetem e ações que não podem ser desfeitas. Há uma busca por transcender a partir das imagens, que não reduz a força das falas dos participantes do longa, mas na verdade, agiganta seus sentimentos.

São imagens, portanto, que criam universos inteiros em um plano. Sua força vai além da mera beleza formal, está no simbolismo que cada uma carrega, sendo capaz não só de transformar em imagem o sentimento das palavras, como também de ressignificar essas palavras. Os Ossos da Saudade é, assim, um filme que parte de uma base estrutural bastante narrativa, mas que se desenvolve sob uma lógica cinematográfica bastante não-narrativa, tão típica do cinema experimental. Assemelha-se bastante, por exemplo, a documentários portugueses recentes, como o ótimo A Metamorfose dos Pássaros, de Catarina Vasconcelos.

Também é relevante notar como a escolha de filmar sempre com ângulos abertos e em locais que gritam abandono ou total ausência de civilização cria uma sensação de distanciamento para a obra. Os Ossos da Saudade parece muitas vezes ser situado em um limbo espacial no qual só resta saudade de casa. É como se todas aquelas pessoas estivessem trancafiadas pelos próprios sentimentos e não conseguissem abandonar totalmente suas memórias, justamente por terem consciência de que suas memórias também são parte de quem elas são.

Apesar de o final seja um pouco extenso, não é capaz de prejudicar o filme como um todo. Pois assim como cada uma das pessoas que decidiram abrir o peito para contar suas histórias para Pimentel só querem sentir novamente o gostinho de um lar distante ou de uma pessoa amada que partiu, é também extremamente convidativo para o espectador mergulhar nesses depoimentos e experimentar um pouquinho desse sentimento através da fantástica dialética estética proposta pelo diretor.


Esse texto faz parte da nossa cobertura para o 25º Cine PE. Acompanhe a cobertura completa aqui.

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