A união dos gêneros terror e comédia vem tornando-se um dos marcos do cinema em 2017. Além do elogiadíssimo Corra!, recentemente uma nova adaptação de Stephen King viu as luzes da telona com a mesma mistura, It: A Coisa. É normal, portanto, que a Netflix também produza uma obra que siga este mesmo ideal de gêneros. Pequeno Demônio, filme recém lançado pelo serviço de streaming, aposta no medo e nas risadas para contar uma história sobre paternidade, família e compromisso.
Gary (Adam Scott) é um corretor imobiliário que acabou de se casar com a bela Samantha (Evangeline Lilly). Quando namorados, o relacionamento dos dois era perfeito. Além de sua beleza, Samantha mostrou-se uma companheira muito dedicada e presente, mas que sempre teve receio de aproximar Gary de seu filho de cinco anos, Lucas (Owen Atlas). Quando casados, portanto, a união era inevitável. Gary muda-se para a casa de sua esposa e agora precisa se aproximar de seu enteado. Só há um problema: a criança é o anticristo.
A obra aposta em um humor não tão óbvio. Não há tantas piadas ou momentos engraçados, a comédia surge no filme por meio de referências visuais e da cronologia dos fatos apresentados. A cena de abertura, por exemplo, mostra o protagonista pedindo o divórcio, para em seguida acompanharmos todos os fatos que levarão Gary a tomar tal decisão. Referências visuais a filmes como O Iluminado (1980) e Poltergeist (1982) também se fazem presentes, fazendo do filme uma experiência que busque a nostalgia dos fãs do gênero. Em sua trama principal, Pequeno Demônio ainda puxa bastante de A Profecia (1976), principalmente a partir do segundo ato, quando acompanhamos a cruzada de Gary para lidar com o fato de seu enteado ser o filho do demônio.
O interesse da obra, porém, vai além de suas referências. Enquanto demonstra ser uma homenagem ao gênero, Pequeno Demônio também expressa um forte desejo de funcionar como uma obra sobre paternidade. Gary é apaixonado por Samantha, mas odeia seu enteado. Sua visão de que a criança é um demônio, então, também pode ser vista como uma hipérbole de sua situação, caricaturando Lucas e conferindo à ele responsabilidade por situações ruins que ocorreram em sua vida. Gary, ao casar-se sem conhecer o enteado, esquece um fato importante: o matrimônio é um pacote completo. Além de amar Samantha, o corretor precisará também lidar e amar seu novo “filho”, Lucas.
Diretor e roteirista, Eli Craig acerta ao utilizar planos mais sombrios seguidos de planos que retratam o olhar do protagonista, fortalecendo a ideia de que a demonização de Lucas é fruto da imaginação de Gary. Por exemplo, numa das cenas do filme vemos a criança brincando no balanço como qualquer outro menino faria, sem artifícios sonoros. Quando vemos a mesma situação sob os olhares do protagonista, (porém,) há um som tenso na trilha acompanhado por quadros com menos iluminação e uma lenta aproximação da câmera, que conferem um tom sinistro à criança.
Já em sua metade, Pequeno Demônio passa a apostar cada vez menos no terror e mais na comédia. O problema é que esta nunca funciona plenamente. principalmente pelo fato de o diretor, Eli Craig, escolher representar as situações engraçadas mais com som do que com imagem. Há cenas em que sabemos que Gary está encurralado e desesperado, mas não o vemos continuamente; acompanhamos apenas a reação de outros personagens à situação, fazendo com que a comédia exista, mas, assim como seu protagonista, fique distante do espectador. Já mais próximo ao fim, o impulso de assemelhar-se cada vez mais com A Profecia, torna os desdobramentos da obra óbvios e pouco criativos, já que apenas reproduzem conceitos apresentados em um filme feito há mais de quarenta anos (além do remake de 2006).
Nas conexões de cenas do começo e do restante do filme, Pequeno Demônio encontra bons momentos. O fantoche de Lucas, que anteriormente era acompanhado por uma voz demoníaca, aos poucos revela-se apenas um brinquedo de criança acompanhado por uma voz normal. Assim, cimenta-se a ideia de que, quando se aproxima do enteado, o protagonista compreende que o demônio projetado era uma distorção da realidade, uma supervalorização de pequenos elementos que faziam Gary enxergar Lucas como um demônio. Uma pena que, entre as cenas que revelam a ilusão do ponto de vista de Gary, a obra insira tantas que dêem valor ao lado diabólico de Lucas, fazendo com que a obra tenha duas ideias praticamente opostas – enquanto quer que o lado diabólico do menino seja alegórico, quer também que ele seja um demônio real.
Pequeno Demônio é uma obra cheia de boas intenções, mas que não tem certeza se quer ser um questionamento sobre paternidade e responsabilidade, ou ser uma comédia/terror referencial. Na ânsia de ser os dois, não é plenamente nenhum, e acaba desperdiçando o potencial apresentado no ato de abertura. Não deixa de ser uma obra com algum valor temático e que satisfaz aos que buscam um entretenimento simplório e esquecível. Em meio de a tantos filmes esquecíveis da Netflix, eis que surge um que não é ofensivamente ruim.