Plano Aberto

Planeta dos Macacos: A Guerra (2017)

Em um cenário bem parecido – se não o mesmo – com o filme anterior, Planeta dos Macacos: A Guerra começa com um encontro entre humanos e símios. Enquanto na obra de 2014 havia uma tentativa de conciliação mesmo com a morte de um chimpanzé, aqui não há nem sombra disso. Por mais que Planeta dos Macacos: A Guerra tenha muito mais falas do que os dois antecessores, não há diálogo. O encontro que abre a trama se resume ao combate. Humanos e símios lutam e matam para sobreviver. Pouca ou nenhuma conversa, em vez disso, armas em mãos. Os dois filmes de Matt Reeves se preocupam muito com o legado interno dos acontecimentos. Há uma dialética interna que foi trabalhada para que Caesar e os demais personagens sejam constantemente transformados pelos acontecimentos. Assim como, no primeiro filme, a experiência no zoológico transforma Caesar em um líder revoluto, a traição de Koba e seu retorno o tornam em mito no segundo.

Caesar e vários outros símios já são capazes de se expressar verbalmente com facilidade mas, agora, não há mais espaço para o diálogo em virtude do que acontece no final do segundo filme. Koba trai Caesar, dá início à guerra, e sem tempo para lamentar, resta ao protagonista e seus companheiros lutar. Os humanos negam todas as propostas de paz e, ao matar o filho e a esposa do protagonista, declaram guerra. De mito, Caesar se torna o espírito da vingança. O protagonista, então, como o Ethan de John Wayne em Rastros de Ódio, parte em sua missão de retaliação, mesmo que isso custe tudo que ele lutou para representar.

É bonito como Reeves faz sua Odisseia. Se em Rastros de Ódio, Ethan é o Telêmaco e Debbie seu Odisseu, aqui, no reencontro de protagonista com seu filho após a libertação no campo de concentração, fica claro como Caesar e Cornelius refazem a reconstrução dos mitos de Homero. Inclusive com Caesar estando ciente de que, corrompido pelo ódio, não pertence à utopia de paz que ajudou a construir. “Eu não tenho salvação, eu não escapei do meu ódio”, diz o personagem quando, ao ver a oportunidade de fugir, a descarta para completar sua vingança. Ao fim do filme de John Ford, Ethan não atravessa a porta por saber que não pertence ao mesmo espaço que os demais, assim como Caesar não cruza o horizonte final, o deixa para o povo que protegeu e salvou o fazer.

Em certo momento, o Coronel de Woody Harrelson diz que toda a história da humanidade foi um preparativo para o embate entre seu exército e o de Caesar. É justamente essa ideia que Reeves projeta no confronto. O olhar de Caesar para os últimos guerreiros humanos explodindo e depois sendo devorados pela avalanche enquanto os símios se salvam nas copas das árvores é a definição desse combate pela visão mais darwiniana possível. Sobrevive o que se adapta. É o fim da civilização humana e a ascensão dos símios sobreviventes. A guerra é o último ato do reinado da humanidade – que não poderia terminar de outro jeito se não com dois exércitos se fuzilando sem nenhuma razão concreta para isso. E o fato de isso ser feito em um filme que se estrutura justamente pela obra de Homero, creditado como fundador a mitologia ocidental, é uma coisa tão bela quanto rara no cinema hollywoodiano de hoje.

Que uma proposta tão audaciosa seja trabalhada em um filme de ritmo cadenciado, que explora as novas nuances de Caesar a cada nova descoberta do mundo fora de seu reinado, é algo bastante raro em um blockbuster da década passada. Não basta a Reeves entender Homero e Ford, há também de se trazer a Odisseia para o presente e propor um diálogo. E a dialética proposta pelo diretor remete a Homero e Ford colocando a visão de artistas fundadores em um apocalipse. É relembrar a gênese diante do fim. É encontrar, assim, um caminho para a refundação. Na saga, pelos macacos, que terão a chance de acertar onde a humanidade errou. No cinema feito dentro do sistema hollywoodiano, por diretores capazes de desafiar as imposições de seu tempo e experimentarem com tempo, sentimento e ritmo como Reeves.

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