Plano Aberto

Podres de Ricos

Desde os primórdios do cinema narrativo existem filmes norte-americanos centrados em culturas orientais, interessados em apresentar alguns de seus aspectos a um público do Ocidente, mas lhes dispensando um tratamento oscilante entre a simpatia e o exotismo. A rigor, até Lírio Partido (1919), de D.W. Griffith, poderia ser invocado nesse sentido. Podres de Ricos, de Jon M. Chu, segue esse caminho sem meios termos, evitando distinguir nacionalidades e especificidades culturais numa história que não vai além de reproduzir lugares comuns sobre asiáticos milionários, não à toa reunidos na epítome “Crazy rich asians” do título original. Tais personagens são vistos como apegados a tradições arcaicas, impermeáveis portanto a valores ocidentais que seriam positivos, como a luta por realização afetiva individual (aqui subjugada pela obrigação com a família), mas ao mesmo tempo deslumbrados com a riqueza material proveniente do capitalismo – logo, cafonas em sua tentativa de emular aspectos do estilo de vida de outras sociedades.

E Podres de Ricos ainda coloca esse tipo de representação a serviço de uma narrativa recheada de clichês do gênero comédia romântica. A jornada da personagem outsider (Constance Wu) que tenta entrar no fechado círculo familiar do amado (Henry Golding) já foi apresentada inúmeras vezes no cinema, com variações étnicas, de gênero e tom, indo de clássicos como Adivinhe Quem Vem Para Jantar? (1967), de Stanley Kramer, à franquia Entrando Numa Fria (2000-2010), de Jay Roach, e mesmo ao recente Corra! (2017), de Jordan Peele. Não há rigorosamente nada de novo no olhar de Chu para esse tipo de situação (diferente do caso de Peele, por exemplo): à rejeição inicial, a protagonista reage aprendendo as regras próprias daqueles que pretende que a aceitem, até finalmente conquistar seus objetivos por meio da persistência que prova seu valor.

Isso, na verdade, reforça a problemática racial de Podres de Ricos. No fim das contas, para o diretor e os roteiristas Peter Chiarelli e Adele Lim, pouco importa que os personagens sejam de Singapura ou da China, malaios ou filipinos, mesmo orientais ou ocidentais. Os tipos e situações com que Chiarelli, Lim e Chu trabalham são tão genéricos que poderiam se dar com pessoas de qualquer parte do mundo. A opção pela Ásia, nesse sentido generalizante, e por Singapura em particular, parece passar pela necessidade de alcance hollywoodiano no Extremo Oriente ou, o que é mais grave, ser simplesmente aleatória.

Num brevíssimo trecho de Podres de Ricos, se ouve ao fundo uma música de Teresa Teng, cantora taiwanesa muito popular em alguns países asiáticos a partir da década de 1960. A canção em questão, “Tian mi mi”, aparece também na obra-prima Companheiros, Quase Uma História de Amor (1996), de Peter Chen, para remeter a afetos construídos em meio a momentos e ações cotidianas concretas numa grande metrópole da região (Hong Kong). No entanto, a regra no filme de Chu é dar destaque, em cenas-chave, a canções de língua inglesa (caso de “Can’t help falling in love with you”, de Elvis Presley, no casamento) ou a versões delas em mandarim (caso de “Yellow”, do Coldplay, no clímax). Esse último exemplo, aliás, afora uma possível referência racial de mau gosto no título, é sintomático da postura de Podres de Ricos diante da cultura de Singapura: Chu e a dupla de roteiristas fizeram simplesmente uma versão exótica, curiosa, de uma história já contada em outros idiomas.

Não se trata de purismo, de cobrar do filme o rechaço completo ao Ocidente para poder falar com autenticidade do Oriente, mas de observar as limitações produzidas por determinadas representações estereotipadas e as oportunidades perdidas de se construir olhares complexos (considerando sim, portanto, o hibridismo cultural) e concretos (logo, relacionados diretamente com experiências temporal e geograficamente localizadas) sobre uma sociedade estranha a povos de muitas outras partes do mundo. A forma como Chu aborda Singapura permanece no terreno limítrofe da piada carinhosa e do puro preconceito.

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