Plano Aberto

Prazer, Camaradas!

“Prazer, Camaradas!” começa mostrando um grande viaduto de Portugal. Um elemento que pode parecer bobo, mas que demonstra certas características principais sobre os personagens que acompanharemos em seguida: a rigidez pelo tempo e a relação totalmente fluída, de troca. Esses são elementos que constroem, de maneira imagética e pela semiótica, a forma como entenderemos os elementos desse universo. Ao tratar-se de uma história sobre revolucionários, ainda faz mais sentido uma questão sobre fortificação, como se eles realmente lutassem juntos por tudo e de qualquer jeito por qualquer coisa. É nesse ambiente que os personagens acabam convivendo com pessoas inteiramente diferentes de suas concepções de vida e ideais progressistas.

José Filipe Costa tenta brincar a todo tempo a mistura de realidade e dramaticidade. O lado documental da narrativa aborda de verdade, esses corporativistas. Vindos não apenas de Portugal, mas também de outras regiões do mundo, eles se encontram em pequenos locais no meio do país europeu. Todo esse movimento tem a ver com a Revolução dos Cravos, que ocorreu em 1975, e tirou o regime totalitário que estava em vigência. Dessa forma, Costa acompanha a fala dessas pessoas sobre esse momento e como é viver ainda sob a sombra de tudo que aconteceu, com os medos e também ansioso sobre o futuro.

Porém, junto disso, existe um aspecto de brincar com essa realidade. Desse jeito, o diretor traz elementos quase de um cinema experimental para falar sobre o lado “revolucionários” desses diversos velhinhos, especialmente no contexto sexual. Em uma sequência, por exemplo, aprendemos sobre como o pênis é feito. Já em outra, a liberdade sexual entra em cena, com diversos casais se relacionando uns com os outros. É como se essa busca por ultrapassar barreiras não tivesse apenas em um campo teórico das ideias de esquerdas desses antigos jovens, no entanto adentra o campo prático de uma vida que realmente está se propondo a ser disruptiva.

O grande problema de “Prazer, Camaradas!” se resume justamente na relação desses dois aspectos. Se em termos diretos eles funcionam, por trazer uma espécie de conexão onipresente de vivência entre os dois mundos, por outro lado, Costa pouco consegue conectar esses universos. É quase como, esteticamente, ele transformasse sua produção como 2 em 1. Se é algo que faria sentido – até mesmo por trazer a brincadeira entre a moralidade deles e como isso está dentro da sociedade portuguesa – parece algo, em muitos casos, totalmente retalhado. Cito como exemplo uma das sequências próximas ao fim. Inicialmente, nela, vemos um grupo de trabalhadores contando da vida no campo, para, em seguida, uma espécie de assembléia que acaba em uma grande dança.

Os momentos de maior brilho do longa são justamente aqueles mais simplistas, que tratam dessas conexões estabelecidas pelo tempo e que não serão perdidas. Uma cena destacável é quando o cineasta conversa com um inglês e uma alemã dentro de um carro. Ambos, que vivenciam uma complexa relação com esse espaço de Portugal, sempre atrás de alguma coisa maior, porém também em busca de terem apenas a felicidade. É nesse caminho de contemplação (mas no aspecto sentimental e não visual) que a obra se destaca.

No fim das contas, “Prazer, Camaradas!” traz uma certa ode a essa história desenvolvida por esses agora “jovens da terceira idade”. Ainda revolucionários na sua forma de pensar o mundo, eles travam o passado como uma espécie de muleta para compreender como estão no presente – no contexto individual e social. Contudo, José Filipe Costa acaba, por vezes, perdendo seu elemento central de um certo fascínio por essas figuras e sob um olhar vigiado. Dramatizados, é quase como se fizessem parte de um outro universo, mas que o filme não entende bem qual.

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