Plano Aberto

Quando Anoitece

Quando Anoitece é um drama sobre um problema específico, mas não exclusivo da sociedade americana. É uma obra que aborda a relação da sociedade com as drogas de forma bastante única. Filmes que abordem a guerra às drogas ou qualquer assunto relacionado geralmente constróem mais tipicamente seus heróis e vilões, enquanto a obra de Braden King se preocupa mais com a complexidade da situação e buscar a humanidade de seus personagens. Até porque, Quando Anoitece não fala exatamente sobre a guerra às drogas. O filme mostra como uma cidade no interior americano tem o vício em analgésicos como parte de sua cultura, e retrata isso de forma melancólica sem fazer apontamentos, demonstrando maior preocupação pelo retrato da realidade do que por ser, de alguma forma, “útil”.

Na trama, Cole Freeman (Philip Ettinger) equilibra sua vida rural com o apoio aos idosos e doentes de sua comunidade. Freeman, porém, também lucra contrabandeando analgésicos, e Quando Anoitece retrata essa situação sem exatamente tecer julgamentos sobre as escolhas do protagonista, mas mostrando como o vício persegue os demais personagens de forma que Cole, mesmo tendo ciência dos problemas acarretados pelo que faz, também se sente coagido a participar. É um filme bastante interessado em mostrar a separação quase imperceptível entre o ato de ajudar nas margens da lei e acidentalmente prejudicar o desenvolvimento sanitário e social daquela cidade.

Boa parte da obra acompanha Cole conversando com pessoas que dependem dos analgésicos. A ideia de Braden King é buscar antes de tudo a humanização dessas pessoas, a fim de separar seu protagonista do estereótipo de traficante comumente retratado no cinema hollywoodiano. Nesse aspecto, a obra é bem sucedida, já que ao passo que buscas as fragilidades e dificuldades de cada uma daquelas pessoas, o faz construindo um clima melancólico, mostrando um protagonista sempre desconfortável com a situação na qual está inserido, mas ainda incapaz de agir de outra maneira em virtude de seus próprios princípios.

O problema de Quando Anoitece surge quando o filme se força a escalar seu drama para transformar-se em algo além do mero retrato de um problema social e de saúde pública. King recorre a clichês que não agregam tanto, e conforme eles se prolongam, todo o estudo da relação daquela pequena sociedade com os analgésicos perde espaço para que Quanto Anoitece se torne um drama mais policial. Ao fim, é um grande desperdício de um recorte extremamente interessante e que, em sua primeira parte, trata com muita delicadeza o fardo e a culpa que perseguem seu protagonista.


Esse texto faz parte de nossa cobertura para a 44ª Mostra de São Paulo. Para ir até a página principal de nossa cobertura, clique aqui.
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