Quem tem medo de ideologia?

Quem tem medo de ideologia?

As mulheres e a natureza

Claudio Gabriel - 13 de outubro de 2020

A pergunta-título do longa da americano-libanesa Marwa Arsanios dá uma outra ideia sobre o que veremos pela frente. A ideologia nem tanto faz parte de um questionamento apresentado pelo filme em si, mas sim sobre sua conexão. Essa que faz parte de uma espécie de onipresença social, afinal todos temos opiniões, pensamentos, ideias, tudo está pautado no pensamento ideológico. É ele que norteia a vida de fragmentos próprios de conceitos, exaustamente trabalhados por todas as pesquisas de ciências humanas (querendo ou não). Mas afinal, se todos temos ideologia, quem poderia ter medo de ideologia? Sem perceber, nós mesmos temos, o tempo todo.

Em um desses recantos sobrevive a perspectiva feminista de mundo. É nele que a direção de Marwa trabalha em “Quem tem medo de ideologia?“. Em uma das primeiras cenas, nos minutos iniciais, vemos já sua voz aparecendo em fundo, destoante da imagem e da sua boca se mexendo. Ela retoma um pensamento sobre perspectivas de mundo e como esses nunca foram adotados pelas mulheres, sempre excluídas da sociedade. A ideia de sua fala já não poder ser realmente percebida, já que a voz e a boca destoam, já causa uma impressão de silenciamento. Assim, a cineasta trabalha uma obra que busca o olhar da visibilidade. Para isso, ela apresenta três grupos diferentes de mulheres em regiões povoadas pela guerra.

Para a narrativa, todavia, o mais interessante não é a relação com a morte, ou a possibilidade de não viver causada pela violência masculina. O mais curioso para os olhos é sim a conexão que essas mulheres, de diferentes idades, vão possuir com sua forma de subsistência. No caso, a natureza. Essa que não é apenas física, mas também em uma perspectiva antropológica do lado natural, da relação com os filhos, da defesa da existência. Esse fato, aliás, rememora toda a perspectiva que Susan Sontag dá para ideias de Virginia Woolf no livro “Diante da Dor dos Outros“.

Em “Quem tem medo de ideologia?” a ideia está entorno de um lado bastante humanista, que olha com um caráter irônico para o conceito da “mãe natureza”. Marwa Arsanios se usa de subterfúgios quase experimentais em certos instantes, usufruindo também de um lado sensorial dos rios, árvores e plantas. Isso até se esgota em determinado momento, mesmo com a duração de apenas 57 minutos. Entretanto, o mais curioso desse caminho é como Arsanios trabalha as sensações para compreender como, apesar dessas mulheres sempre estarem ali, cultivando, dominando a perspectiva de vida, são excluídas dos mesmos espaços. A dominação masculina acontece, assim, sob diversas óticas.

Há um caráter paralelo de exploração com animações do Studio Ghibli, como o caso de “Nausicaä do Vale do Vento“, de Hayao Miyazaki. No caminho de compreender a formas diferentes que homens e mulheres enxergam a natureza para subsistência, a narrativa caminha para um lado de não encontrar totalmente respostas, mas sim entender em que ponto estamos dessa trajetória. Por isso, o comparativo com produções de Miyazaki se faz presente, dentro do caráter de uma defesa da natureza, em uma busca final de dar respostas a todas as elocubrações. Assim, o questionamento do título pode não se fazer tanto presente de um caráter propriamente sociólogico, na exploração verdadeira sobre ideologias. Mas está onipresente na forma de entender seres humanos, com suas defesas, opiniões e ideias como forma de viver no mundo.


Esse texto faz parte de nossa cobertura para a edição de 2020 do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba. Para ir até a página principal de nossa cobertura, clique aqui.
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