Plano Aberto

Querido Menino

“Hardcore – No Submundo do Sexo” (1979), um dos grandes filmes de Paul Schrader, narra uma espécie de descida ao inferno de um pai (George C. Scott) em busca da filha adolescente, que se tornou atriz pornô em Nova York. Schrader acompanha (com considerável empatia, já que ele próprio foi criado num meio extremamente religioso) o pesadelo de um americano médio, interiorano e ultraconservador, encarnado no contato forçado com a modernidade suja e degradada da grande cidade. De certa forma, é esse o mote de “Querido Menino”, dirigido pelo belga Felix van Groeningen: David Scheff (Steve Carrell), bem-sucedido jornalista freelance, passa a ter de peregrinar atrás do filho Nic (Timothée Chalamet) quando ele se torna viciado em drogas pesadas, sobretudo metanfetamina.

No entanto, Groeningen, diretor do choroso “Alabama Monroe” (2012), opta por abordagem bem mais “limpa” que a de Schrader. Em “Querido Menino” também está presente a ideia de pesadelo de um homem branco de classe média (nesse caso, liberal), que se acredita imune a problemas do tipo. Mas o filme passa longe de qualquer crueza que remeta ao cinema de um dos expoentes da Nova Hollywood. Groeningen aposta novamente num melodrama familiar, ainda que menos carregado que “Alabama Monroe”, flertando aqui e ali com uma moral edificante – sobretudo ao encerrar a história com algo semelhante a uma mensagem institucional sobre o problema das drogas nos Estados Unidos.

Mesmo assim, “Querido Menino” consegue se manter de pé, primeiramente pelas atuações de sua dupla de protagonistas. Chalamet tem nas mãos um personagem facilmente caricaturável, já que sua degradação física e mental municiaria o ator com a possibilidade de recurso a trejeitos mais visíveis e momentos de grande intensidade dramática. Mas ele consegue escapar dessa armadilha, incorporando discretamente características da decadência de Nic a uma composição baseada no mínimo. Carrell se sai ainda melhor como um pai que quase nunca explode emocionalmente, mantendo-se sempre numa postura reativa às demandas do filho (ele simplesmente entende que essa é sua obrigação) e calado em relação aos próprios sentimentos. Daí ser especialmente dolorosa a cena em que finalmente se recusa a ajudar Nic.

O outro mérito de “Querido Menino” é a construção de sua narrativa com camadas de repetição de situações, o que reforça a sensação de ciclo sem fim em que aquela família se encontra. Nesse sentido, a cena final, com os protagonistas iniciando um novo período de recuperação – enquadrados num plano de conjunto revelador da economia dramática e do distanciamento respeitoso do filme em relação a seus personagens – é belíssima. Ela marca a compreensão de Groeningen e do co-roteirista Luke Davies de que a paternidade é como uma maldição da qual é quase impossível se livrar, mas aqui atenuada pelos consideráveis bônus que também traz, ressaltados nos muitos flashbacks carinhosos que compõem a narrativa.

Resta, então, essa impressão de um filme bonito e delicado, mas pouco disposto a mergulhar fundo nos aspectos mais sórdidos da experiência infernal de David e Nic Scheff. Talvez a necessidade de passar uma mensagem, de ter uma relevância social que não afaste parcelas maiores do público com imagens excessivamente desagradáveis, acabe levando a isso.

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