“Rampage: Destruição Total” se paga na primeira cena. E isso não é uma figura de linguagem ou um exagero. Brad Peyton (“Terremoto: A Falha de San Andreas“) se vale de movimentações desconfortáveis com a câmera, trilha sonora contida, iluminação diegética, cortes ágeis e um bom uso do 3D (!) para criar uma atmosfera de terror espacial melhor do que a de filmes dedicados exclusivamente a isso, como o asqueroso “Alien: Covenant“ e o apenas correto “Vida“. Quem comprar ingressos com a expectativa de mais um “pastelão porradeiro” protagonizado por Dwayne Johnson, o The Rock, irá se surpreender.
Esse é o principal trunfo de “Rampage”. Antes desta cena no espaço, uma premissa simples é estabelecida: cientistas desenvolveram uma tecnologia de edição genética chamada CRISPR para o tratamento de doenças incuráveis, que posteriormente foi considerada pela Comunidade de Inteligência dos Estados Unidos como uma potencial arma de destruição em massa. Onde não há muito para aprofundar também não há muito para errar.
Johnson é o primatologista Davis Okoye, tão afastado das pessoas quanto é próximo dos gorilas que trata em um santuário ambiental de San Diego. Destaca-se o gorila albino George (Jason Liles), a única criatura viva com quem Okoye tem um laço afetivo verdadeiro. A atuação de Liles, aliada à tecnologia de captura de movimentos, confere a George uma personalidade basicamente humana. O gorila se comunica por sinais, artifício narrativo presente no livro “Congo“, de Michael Crichton, posteriormente adaptado para o cinema. Pode ser banal e mesmo preguiçoso, mas macacos imitando o comportamento humano ainda conseguem fazer uma audiência rir no cinema.
As histórias se cruzam quando amostras da tecnologia CRISPR caem na natureza e uma delas atinge George, que fica maior, mais forte e agressivo. A referência mais óbvia a um macaco gigante ensandecido numa grande cidade é “King Kong”, e “Rampage” abusa da fórmula macaco-fica-nervoso-humano-o-acalma-outro-humano-o-irrita-e-a-destruição-sai-do-controle. Okoye é o único ciente da verdadeira natureza do animal, enquanto autoridades tentam matá-lo e uma “empresa do mal” tenta tirar proveito da situação. Apesar dos elogios – merecidos – ao seu começo, o filme não escapa de, gradualmente, cair na vala comum da destruição e pancadaria que se esperava dele desde o início.
Feita a menção à qualidade dos efeitos digitais que dão vida a George, não se pode dizer o mesmo dos outros animais gigantes do filme. O lobo “Ralph” (nome que, “coincidentemente”, significa… “lobo”) parece saído de “Sharktopus vs. Whalewolf“, uma criatura claramente falsa e com movimentos inverossímeis. O crocodilo gigante é um pouco melhor, mas sofreu com uma direção de arte que não o concebeu bem, enfiando elementos de diferentes feras aleatoriamente num produto final desinteressante.
Já nas esperadas cenas de luta, Peyton tenta imprimir uma identidade visual que mistura found footage com planos fechados e múltiplos cortes. Vê-se a inspiração na luta de Hulk contra o Homem de Ferro em “Vingadores: A Era de Ultron”, mas Joss Whedon está a anos-luz de distância. Indiscriminadamente, Peyton também usa planos contra-plongée nos atores para torná-los maiores. Essa escolha não faz sentido, pois minimiza a diferença de escala entre humanos e monstros, algo que deveria ser salientado.
“Rampage” funciona por seu elenco. The Rock é inquestionavelmente carismático e intenso, algo que minimiza o ridículo de um homem, por mais forte que seja, enfrentando monstros gigantes na mão livre. Jeffrey Dean Morgan, uma boa surpresa do segundo ato, mistura o Negan de “The Walking Dead” com um quê de matuto sulista incrível. E, dividindo o protagonismo dessa aventura insólita, a indicada ao Oscar Naomie Harris sofre para dar credibilidade a falas pedestres (o mesmo acontece com a boa Malin Akerman, embora não consiga salvar sua vilã Claire Wyden do ridículo). Fica a critério do leitor decidir se isto é bom ou ruim, mas é o gorila George o personagem melhor desenvolvido pelo roteiro.
Com uma história que poderia, com o devido cuidado, ser uma das melhores ficções científicas de ação do ano, “Rampage” guarda acertos e erros quase na mesma proporção. Não promete nada, flerta com algo especial e termina no mais do mesmo. Ficam o brilhareco inicial e as piadas (algumas excelentes), além da certeza de que não foi um tempo perdido.