De antemão, um aviso: quem espera desse filme um épico medieval sobre a clássica lenda de Rei Arthur e sua espada Excalibur, vai se decepcionar. Nas mãos de Guy Ritchie, o lendário personagem ganha uma nova versão. Mais moderna, “millennial”, mesclando o estilo particular do diretor inglês com uma amálgama de fórmulas presentes em franquias de sucesso recentes. Rei Arthur: A Lenda da Espada é, ao mesmo tempo, um “filme da Marvel”, uma história de origem esculpida em torno do mito do herói de Joseph Campbell, um épico mágico, um MMORPG e uma comédia. Trazendo, infelizmente, não só os acertos, mas também os erros dos filmes que utilizam tais elementos.
A história é a mais simples possível: após seu pai, o rei Uther (Eric Bana), ser traído e assassinado por seu tio, Vortigern (Jude Law), Arthur (Charlie Hunnam, de Círculo de Fogo e da série Sons Of Anarchy) foge em um barco e cresce como uma criança de rua, na parte mais pobre do reino. Um dia, a descida da maré revela a espada do falecido rei presa em uma rocha, só podendo ser retirada pelo legítimo herdeiro do trono. Vortigern, então, obriga todos os rapazes com a faixa etária do desaparecido filho de Uther a tentarem retirar Excalibur da rocha, a fim de encontrar e matar Arthur.
Guy Ritchie (que é um dos que assina o roteiro, escrito por seis mãos) pega pouco da aura medieval de seus antecessores. Com exceção da paleta acinzentada que domina o filme (e incomoda pela pobreza visual resultante), o filme constrói sua narrativa ao redor da já mencionada jornada do herói, desde a descoberta da missão, à rejeição e à aceitação de seu destino. Entra aí o primeiro problema do filme: tal estrutura depende muito da atuação protagonista, que em Rei Arthur: A Lenda da Espada, é bem ruim. Que Charlie Hunnam possui enorme carisma já sabemos, mas Ritchie não extrai sequer uma emoção do ator. Hunnam compõe todos os diálogos com o mesmo tom vocal e repete inclusive as mesmas estruturas de frases quando nelas há algum tom de humor. A repetição chega a dar a impressão de que estamos ouvindo os mesmos diálogos repetidas vezes, inclusive.
Mas se o protagonista decepciona, não podemos dizer o mesmo do resto do elenco. Jude Law convence como vilão inseguro e com fome de poder (mesmo que seja prejudicado pelo monstro de computação gráfica que toma seu lugar no ato final). Aiden Gillen (o Mindinho de Game Of Thrones) está bem tanto como alívio cômico e fortalece a ala “comédia” do filme. Todavia, outros estão completamente desperdiçados, como o ótimo ator Djimon Hounsou, que praticamente só existe para ser o guia do público e do herói. Na mesma situação está a maga interpretada por Àstrid Bergès-Frisbey, que se limita a ser uma “assistente do guia”.
O visual do filme é, para ser brando, confuso. No começo da crítica, eu havia dito que o filme puxa um pouco de influência dos MMORPGs (jogos de RPG online), certo? Explico. Em jogos do tipo, há uma infinidade de combinações possíveis nas vestimentas, dando extrema liberdade à todos os jogadores. Tal escolha, porém, impede a criação de uma unidade visual. O mesmo acontece em Rei Arthur. Cada personagem tem seu próprio estilo, algo que impede que o filme tenha uma identidade visual própria. Se o rei Uther possui uma vestimenta medieval bonita, cheia de detalhes e bem presa às ideias medievais, seu filho, Arthur, usa uma calça de couro apertada e uma bota que mais parece um tênis da nike. A fotografia não contribui, pois o véu cinzento jogado sobre todos os planos torna tudo escuro e sujo.
Uma assinatura do diretor que está presente aqui é a montagem frenética, que alterna planos curtos e com muito movimento. Em certos momentos, até funciona para dar agilidade e humor ao filme, já que o encaixe dos diálogos de forma apertada, quase como se um sobrepusesse o outro, cria um tom cômico interessante. Em outros, é um fracasso. No meio do filme, há um longo trecho com tal montagem brusca e seguidos planos com personagens se movimentando, em que a câmera constantemente se aproxima e distancia deles, impedindo que o público compreenda qualquer coisa que acontece. Há ainda um problema maior: o filme alterna tais momentos extremamente picotados com cenas lentas, com uso de slow-motion e planos estáticos. Variando sempre entre dois extremos, Rei Arthur acaba tendo um ritmo digo do monstro de Frankenstein, perdendo o fôlego antes mesmo do meio do segundo ato.
Curiosamente, o que costuma prejudicar blockbusters do tipo é um dos bons elementos aqui. A computação gráfica é bem empregada e nas cenas de combate proporciona uma aura fantástica que enriquece a narrativa. O visual do “chefão de fase”, por outro lado, parece oriundo de um mau jogo de videogame. Além da computação, os combates mais rústicos e violentos também funcionam (aqui, favorecidos pela fotografia escura e de tons terrosos, que se no resto da obra prejudica, aqui funciona pelo fato das cenas pedirem uma abordagem mais suja). Outro ponto alto do filme é como Ritchie sabe imprimir força à seus vilões. Diálogos simples como “você ainda pode se render, ele é misericordioso” criam instantaneamente a sensação de fragilidade do personagem e, consequentemente, fazem o público criar expectativa.
Rei Arthur: A Lenda da Espada consegue um feito curioso. Ao mesmo tempo que é totalmente diferente de qualquer filme medieval que eu me recorde, é também o filme de ação bem genérico. Mesmo sendo cansativo e óbvio, acaba funcionando quase acidentalmente por seu humor e em algumas cenas de ação, mesmo que esse muitas vezes esses momentos saiam completamente do contexto de uma obra medieval-mágica. Guy Ritchie merece créditos por, pelo menos, conseguir imprimir seu estilo em um contexto tão diferente. O problema é que, assim como em Sherlock Holmes, o diretor mostrou não ter pretensão nenhuma de criar variações significativas, o que resulta em uma filmografia que se resume em “filme X”, “filme X” no século XIX, “filme x” na idade das trevas, e por aí vai. Ter seu estilo é bom, saber encaixa-lo em diferentes formatos é essencial.