Antes de filmar Shiva Baby, seu longa-metragem de estreia, Emma Seligman dirigiu um curta com o mesmo nome e com a mesma premissa: uma estudante universitária (Danielle) vai a um shiva, um velório judaico, a pedido dos pais e lá inesperadamente encontra com seu sugar daddy que por sua vez está acompanhado da esposa e do filho bebê. Como se não bastasse o desconforto, sua ex-namorada também está presente na cerimônia. Uma premissa simples que, ao ser estendida para um longa, pode ser encarada como despretensiosa. Um conceito despojado, um filme de prazeres simples, ainda que “prazer” não seja a melhor palavra para descrever a sensação de assisti-lo. Na verdade, toda a estrutura do filme, do desenrolar das situações, da câmera trêmula que acompanha Danielle exaustivamente, da cadência acelerada e da música de cordas estridentes, parece ter apenas um foco, passar uma sensação de desconforto. A cerimônia para Danielle é um calvário e o filme faz questão que partilhemos desse calvário junto dela.
Mas é com o passar do tempo que algumas das limitações do filme começam a ficar evidentes. O filme segue uma dinâmica de câmara, um punhado de personagens dentro de uma locação. Em um filme nesses moldes, em que a ação transcorre em tempo real, até uma pequena falha de costura no que se refere a narrativa torna-se mais pronunciada. Logo torna-se visível que as situações constrangedoras do filme simplesmente se somam. A vontade em incitar um desconforto leva apenas a uma tediosa permutação de elementos inquietantes: a presença do parceiro de Danielle, a esposa do parceiro, o filho bebê que não para de chorar, a presença da ex-namorada, os pais indiscretos, os parentes mais indiscretos ainda. Às vezes as situações surgem com pouco ou nenhum nexo para com as tensões centrais de Danielle com seu sugar daddy. Coisas díspares como uma meia-calça rasgada, uma parente que pede ajuda na saída de casa no momento mais inoportuno, uma outra parente que pede ajuda para limpar vômito de bebê, simplesmente se acumulam; o único elo possível dessas situações é simplesmente o que há de degradante nelas.
A costura feita de toda essa soma fica à mostra. A mise-en-scène de Seligman é imediatista, ela apenas maximiza as sensações óbvias, mas o filme não permite explorar outras dimensões daquele contexto que não as mais obviamente desagradáveis. Em várias ocasiões em que um conflito está prestes a surgir de uma maneira mais aberta, o filme simplesmente realça a tensão pelo ritmo que se acelera para um pico, porém nunca é deixado que a tensão daqueles momentos fale por si mesma, pela própria força da presença daqueles atores em uma situação complicada. Dessa maneira, o que motiva as operações formais do filme é uma questão de funcionalidade, é como uma lógica de pontuar a situação inquietante 1, depois a situação inquietante 2 e assim por diante.
Essa insistência no degradante nas relações familiares e amorosas parece vir de um profundo descontentamento. O filme tem como fundo um atrito geracional e cultural, o choque dos valores familiares e tradicionais com a dinâmica contemporânea dos relacionamentos. Diante desse fundo há um sentimento de inadequação que o filme parece o tempo todo traduzir por uma desaprovação geral pelo que se vê. Esse descontentamento pode ser ilustrado em um momento muito breve em que Danielle e sua então ex-namorada Maya, se beijam ardentemente nos fundos da casa. Em um plano muito breve, a decupagem de Seligman sai da mediação das experiências atormentadoras de sua personagem e vai para um território assumidamente discursivo. No plano, Danielle e Maya se beijam no canto inferior do quadro enquanto vemos por uma janela a cerimônia se desenrolando. É um contraste acentuado e ao mesmo tempo uma pequena celebração. Mas este é um momento isolado, o filme logo volta a acompanhar o martírio de sua protagonista por dentro na mesma tônica desgastada.
É justamente pelo fato do filme se centrar apenas no que há de áspero nas interações de Danielle que ele não consegue articular um comentário consistente ou oferecer um modelo de experiência daquele mundo que saísse de uma simples reprovação ou de um tour pelo que há de mais desagradável e desarmonioso nas relações afetivas e familiares. O empreendimento de Shiva Baby se ancora em uma noção de que a experiência do sufoco por ela mesma já é elucidativa para com um contexto ou com um mundo particular. Mas no final das contas o que resta é um mundo chapado, visto por um único tom repetitivo, o “simples” revela-se simplório. O que para Danielle é algo próximo de um martírio, para nós é mais próximo da monotonia.