Slam

Slam

Matheus Fiore - 16 de abril de 2017

Slam, novo lançamento assinado pela Netflix, é mais um retrato da triste realidade do atual cinema italiano. A terra que outrora revolucionou a sétima arte com seu neorrealismo, que trouxe histórias extremamente angustiantes e realistas, hoje é contagiada por comédias e romances insípidos e estereotipados comparáveis às piores produções nacionais, como Suburbano Sortudo ou E Aí… Comeu?. E não me entendam mal, o filme não é ruim. Até certo momento, é até divertido, mas a falta de carinho dos envolvidos na produção, que reflete ao vermos escolhas completamente sem nexo, que mais parecem produto de marketing do que qualquer outra coisa, tornam a obra assustadoramente medíocre.

Acompanhamos a história de Samuele, um adolescente italiano que sonha em terminar seus estudos e tentar uma carreira de skatista na California, o paraíso de quem pratica o esporte. Mais do que se tornar um atleta famoso, “Sam” almeja seguir os passos de seu grande ícone, o americano Tony Hawk. Seus planos, porém, acabam frustrados quando o personagem descobre ter engravidado Alice, sua namorada. A partir de então, vemos o impacto da descoberta na vida do protagonista, seus familiares e da futura mãe de seu filho.

A exploração do relacionamento de Sam e Alice é até interessante. Vemos uma inteligente construção de mise-en-scene para retratar os diferentes estágios do relacionamento. Há, por exemplo, um restaurante onde o casal se encontra num bom e num mau momento. Quando bem, os personagens são enquadrados próximos um do outro, quando mal, há um distanciamento. Por outro lado, a obra opta por inserir trechos da biografia de Tony Hawk que retratam momentos semelhantes aos vividos pelo protagonista. Como Slam é adaptado de um livro, imagino que tal inserção até faça sentido na obra literária e ajude a tornar Samuele apenas um avatar de seu leitor. No longa, a escolha é totalmente equivocada e apenas enfraquece a narrativa, falhando em manter o tom literário idealizado.

Para começar, não há continuidade nas inserções de Hawk. O filme simplesmente escolhe momentos tristes da vida do personagem para cuspir relatos do consagrado skatista americano. E o pior: tais trechos não acrescentam em nada às cenas em que marcam presença, sendo tão úteis quanto um relógio sem ponteiros. Aliás, para não dizer que são totalmente dispensáveis, eles acabam fortalecendo a estética infantilizada que a história de Sam pede. Mas em momento algum a obra aproveita os depoimentos para fortalecer a ideia de que as dificuldades e aleatoriedades da vida fazem parte de nossa construção como seres humanos.

O relacionamento de Sam com a protagonista é, como já dito, até bem explorado pela direção, e traz alguns dos melhores momentos do filme, principalmente pela boa química do casal e pelas piadas feitas por Alice. Até este relacionamento, porém, é prejudicado pela estrutura desengonçada do longa. Se inicialmente a obra dava a entender que seria um ensaio sobre idolatria e sonhos, adolescência e amadurecimento, ainda no primeiro ato a narrativa transita para um romance para, não muito depois, tornar-se um drama familiar vazio e pouco explorado.

O papel de Alice como protagonista em sua própria gravidez, por exemplo, é pouco explorado. Seus pais sugerem que a menina aborte, mas em momento algum os personagens ao redor da jovem se preocupam com as preferências e gostos da própria mãe da criança. Tal opção renderia interessantes discussões acerca do machismo que permeia os casos de gravidez precoce, mas o roteiro apenas cospe falas misóginas por parte dos personagens, como se dissesse “está aí, trouxemos um tema importante, discutam vocês, porque nós já fizemos nossa parte”.

Também fracassa a tentativa da montagem de criar uma relação “o que é versus o que poderia ser”, com cenas onde o protagonista imagina como sua vida seria impactada pela paternidade precoce. Tal escolha, porém, também não é aprofundada, e resulta apenas em inúmeras cenas do rapaz imaginando-se sendo um péssimo pai para seu filho. A escolha é tão pobre que, em certo momento, o público pode ficar confuso e não distinguir o que está realmente acontecendo e o que é um delírio do menino, já que entre os devaneios do protagonista, há desnecessários saltos temporais.

Apesar de tantas escolhas erradas, o filme ainda é feliz ao, na segunda metade de seu segundo ato, explorar o peso das escolhas de seu protagonista e saber trabalhar a questão do legado familiar. Sam, assim como seus pais e sua avó, teve um filho antes mesmo dos 18 anos. O medo de falhar como seu pai fez é perceptível nos olhares perdidos e fragilizados de Ludovico Tersigni, que por sua atuação hesitante é bem-sucedido ao focar em retratar um indivíduo que não é necessariamente uma má pessoa, apenas o resultado do ambiente desestruturado em que foi criado.

Trazendo de bom apenas algumas poucas piadas e questionamentos importantes sobre responsabilidade e maturidade (que não são devidamente desenvolvidos), Slam é um filme vazio e desinteressante, que se junta ao grupo de filmes como Paro Quando QueroFuncionário do Mêsque agradam uma parcela pouco exigente do público e desperdiçam incríveis oportunidades de incitarem discussões interessantes e necessárias na geração Z. Após o fim da película, o único sentimento que me contagiou foi a vontade quase instintiva de rever Ladrões de Bicicletas para me desintoxicar e lembrar como o cinema italiano tem riqueza em sua história.

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