Star Wars: A Ascensão Skywalker

Star Wars: A Ascensão Skywalker

Indiferente

Matheus Fiore - 20 de dezembro de 2019

Como qualquer forma de arte, o cinema pode te causar diversos sentimentos. Um filme pode te provocar medo, angústia, felicidade, tristeza, ódio, tensão, tesão… Basicamente, qualquer sentimento pode ser o objetivo narrativo de uma obra. A única coisa que a arte nunca pode te causar é indiferença, já que ela existe para nos provocar sensações. A única coisa que consegui sentir ao fim de “Star Wars: A Ascensão Skywalker” foi indiferença. É até difícil definir um “culpado” por isso. J.J. Abrams, apesar de nunca ter se firmado como um grande diretor – há boas ideias em muitos de seus projetos, mesmo que eu não considere nenhum um ótimo trabalho  –, parece estar à mercê de quem vem de cima: o estúdio e seus acionistas, obviamente.

“Ascensão Skywalker” retoma a história um pouco depois de os eventos apresentados no fim de “Os Últimos Jedi”. Sem muita enrolação, as letrinhas amarelas já nos avisam que Palpatine está de volta e manipulando Kylo Ren, que agora é o Líder Supremo da Primeira Ordem. Enquanto a rebelião enfrenta as tropas de Ren, Rey precisa encontrar um artefato antigo para ir até um planeta misterioso e derrotar Palpatine. Partindo dessa história confusa, J.J. Abrams tenta, de alguma forma, repetir o que fizera em “O Despertar da Força”: trabalhar a obra em cima da nostalgia.

Assim como o episódio VII revive o IV, o IX revive o VI. A repetição das estruturas dramáticas, porém, não chega a ser um problema. Um dos sérios problemas mesmo é que todas as soluções utilizadas para provocar qualquer tipo de emoção no espectador são covardes, pobres ou recicladas. O próprio uso da nostalgia como artifício, por exemplo, é trágico em “Ascensão Skywalker”. A aparição de Lando Calrissian é, além de abrupta, irrelevante para o filme. Abrams se ancora demais nos nomes fortes da saga, como se eles fossem suficientes para que a obra funcione dramaticamente. O nono capítulo da saga criada por George Lucas é um filme esteticamente tão vazio de ideias que parece proposto apenas a te guiar por uma história simples enquanto te expõe a doses homeopáticas de nostalgia e referências pelo caminho.

O longa anterior da saga, o ótimo “Os Últimos Jedi”, traçou um rumo praticamente inverso nesse sentido, já que utiliza figuras icônicas não para “carimbar” a obra e agradar os saudosistas, mas para redirecionar o filme. Luke Skywalker estava lá para desconstruir tudo que acreditávamos, desmontar o mito do herói e estabelecer a ideia de que a Força está presente em cada ser do universo (basta lembrar o belíssimo plano da criança escrava erguendo sua vassoura como se fosse um sabre de luz). Aqui, figuras importantes estão apenas como dispositivos nostálgicos que pouco acrescentam. Aparecem, falam algo interessante e retornam ao esquecimento. O próprio Lando poderia ser substituído por qualquer outro personagem genérico e aleatório, que jamais faria alguma falta ao filme.

O aspecto mais covarde de “Ascensão Skywalker” é como o filme tenta manipular seu público. Quando “Vingadores: Guerra Infinita” foi lançado, o estalar de dedos de Thanos que fez com que metade do universo desaparecesse foi impactante, mas acabou se tornando um verdadeiro estelionato cinematográfico. O motivo é simples: era impossível acreditar que personagens com filmes agendados para os meses seguintes seriam simplesmente descartados pela Marvel. Em “Ascensão Skywalker”, algo ainda pior acontece: ao longo do filme, J.J. tenta nos convencer por, no mínimo, cinco vezes de que algo aconteceu, apenas para, momentos depois, provar que era uma “brincadeirinha”.

Personagens morrem, mas não morrem de verdade. Outros morrem e retornam em sequência. Alguns perdem a memória, mas a recuperam minutos depois. “A Ascensão Skywalker” se constrói, basicamente, em cima da nostalgia e desses pequenos truques baratos, que, além de repetitivos e negativos pelo simples fato de serem gatilhos emocionais paupérrimos, também são ineficazes pela curta duração do momento de ilusão. Em vez de construir trechos menores que se unifiquem em prol de um filme consistente, J.J. opta por uma narrativa calcada em pequenas reviravoltas que são tão previsíveis quanto simplórias.

Outro grande problema é o excesso de histórias e a dificuldade em administrá-las em um filme de 140 minutos. Os tão aguardados “Cavaleiros de Ren”, por exemplo, finalmente dão as caras… E são menos interessantes do que os guardas genéricos do salão vermelho de “Os Últimos Jedi”. J.J. Abrams tenta nos convencer de que personagens e tramas são importantes, acreditando que a presença de figuras icônicas é o suficiente para gerar o engajamento dramático necessário – e nunca é.

Chega a ser embaraçoso, por exemplo, como praticamente nenhuma das ideias temáticas é desenvolvida aqui. Se em “Os Últimos Jedi”, a subtrama de Finn e Rose era importante para embasar a luta de classes por trás da trama espacial, aqui, a continuidade dessa ideia existe apenas em dois ou três diálogos soltos já na hora final da projeção. Não há sequer uma cena, por exemplo, que relacione os núcleos principais com a população – enquanto em “O Despertar da Força” havia Jakku, em “Os Últimos Jedi” utiliza os escravos de Canto Bight para criar essa aproximação entre os heróis e o povo.

Incrivelmente, o problema de “Star Wars: A Ascensão Skywalker” vai além da covardia e da simplicidade de seu texto. Afinal, falamos aqui de cinema, e não de literatura. Nenhum roteiro sozinho estraga ou salva um filme. Mesmo que eu considere “Os Últimos Jedi” um grande filme, reconheço que seu roteiro não é lá algo brilhante – a já citada subtrama de Canto Bight é um tanto quanto expositiva –, mas isso é contornado por uma construção de mise-en-scène única na saga. Rian Johnson consegue desconstruir as noções mais básicas de bem e mal e dar complexidade aos personagens, utilizando elementos visuais para tal.

Isso tudo inexiste em “Ascensão Skywalker”. Abrams não consegue definir um tom para seu filme, que tem cenas tão apressadas que parecem existir apenas para retratar eventos importantes para o desenvolvimento da história. Como experiência audiovisual, portanto, o longa é completamente estéril. Não há uma escala de dramaticidade, apenas uma infindável sequência de reviravoltas que se anulam na próxima esquina. O triste é constatar que J.J. até filma bem em algumas passagens. Uma ou duas cenas de confrontos entre os heróis e o exército da primeira ordem agradam pela forma como J.J. insere a câmera sempre no meio do confronto para criar uma experiência imersiva. O todo, porém, é uma lástima. Não há tensão ou expectativa, pois o novo “Star Wars” a todo momento cria uma demanda para resolver nos minutos seguintes e, com isso, descartar completamente os sentimentos cultivados no público.

Até mesmo os cenários são algo completamente desolador. O clímax do filme é inteiramente ambientado em um cenário escuro e genérico, que mais parece oriundo das sobras de cartolina de um projeto escolar mal acabado. J.J., um cineasta tão erroneamente enaltecido por sua inventividade visual, mostra-se aqui um diretor com pouquíssimas ideias não só temáticas – afinal, tudo que há em “Ascensão” é uma versão requentada e piorada de “Os Últimos Jedi” e de outros capítulos da série –, como também estéticas. Nem mesmo as clássicas batalhas com sabres de luz se salvam, já que não só não há respiro suficiente para que possamos sentir o peso de cada acontecimento – problema originado no roteiro e que deveria ser corrigido pela montagem –, como as lutas são visualmente pobres.

Não há qualquer carga emocional por trás dos choques entre os lasers dos personagens, que duelam em cenários totalmente desinteressantes e ausentes de significado ou força visual. Se Rian Johnson utiliza os close-ups e planos detalhe para criar tensão pela aproximação entre as lentes das câmeras e os olhares e mãos dos personagens, para J.J., basta filmar dois atores executando coreografias básicas para concluir o confronto. A impressão geral é que tudo é filmado no piloto automático, como se a mente por trás das câmeras fosse um algoritmo de computador.

A Disney queria, a Disney conseguiu. Se “Os Últimos Jedi” é autoral demais para um blockbuster e subversivo demais para uma saga adorada por um público nerd averso ao criativo, “A Ascensão Skywalker” parece ter sido escrito e dirigido por um algoritmo projetado para agradar a todos os públicos. Se “Ad Astra”, de James Gray, é elogiado por muitos por construir a inversão de escala entre o fantástico e o ordinário como uma simbologia para a dificuldade de seu protagonista de conceber o mundo ao seu redor, “A Ascensão Skywalker” merece ser criticado por fazer tanto o ordinário quanto o fantástico parecerem igualmente insossos. Com tantas trapaças para tentar enganar e arrancar a forceps alguma lágrima do público, tudo que o terceiro episódio da trilogia Disney consegue é provocar indiferença.

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