Filha de imigrantes judeus russos, Ruth Bader Ginsburg certamente não cresceu em um período muito simpático a ela. O contexto no qual estava inserida durante sua juventude, porém, não foi um empecilho para que a americana do Brooklyn se tornasse uma das primeiras mulheres a integrar a Suprema Corte Americana. Hoje, Ruth é um símbolo na luta por igualdade. Na época, Ginsburg era uma figura anacrônica, uma ativista em um mundo ainda despreparado para entender suas ideias, um mundo que ainda considerava o fato de uma mulher ter o direito de cursar direito algo revolucionário, que extrapolava os limites – quando era, na verdade, apenas o começo de uma luta muito maior.
Mimi Leder (de “Impacto Profundo”) conta a história de Ruth partindo diretamente desse desencaixe da personagem. A primeira vez que Ruth surge no plano é no meio de uma multidão de homens, subindo as escadas de Harvard para sua primeira aula do curso de direito. Em meio a um oceano de homens com ternos escuros, a futura advogada interpretada pela pequenina e talentosa Felicity Jones dá as caras com seu vestido azul que a destaca da massa de pessoas. Aliás, toda essa introdução é filmada de forma muito competente, fazendo uso de planos abertos que inserem a protagonista no meio dos homens e destacam o quão excluída ela fica em uma turma majoritariamente masculina.
O “freio” que trava a evolução narrativa de “Suprema” é a pretensão de ser uma cinebiografia nos moldes formais, acompanhando os momentos mais importantes da vida da protagonista sem conferir peso a nenhum dos acontecimentos. O câncer de um membro da família, por exemplo, que poderia criar um arco dramático mais complexo, é utilizado apenas como um registro de um acontecimento na vida de Ruth. Quase todos os dramas e percalços pelos quais a personagem passa são retratados superficialmente e distanciam-se do drama. É um filme que, apesar de ter grandes acontecimentos, não se permite mergulhar em nenhum deles.
“Suprema” parte de um roteiro que confia muito na exposição dos machismos que permeiam a sociedade de Ruth Ginsburg, mas a discussão nunca é aprofundada justamente por tratar-se de uma história dos anos 50, 60 e 70, quando o tema começou a ser discutido. A obra lembra, de certa forma, o igualmente bem intencionado “Green Book: O Guia“, no sentido de ambos os filmes terem como mote a exposição do preconceito (no caso da obra de Farelly, o racismo do sul dos Estados Unidos nos anos 60). O problema é que, em ambas as obras, a discussão parece sempre presa aos tópicos mais básicos no que tange a discussão sobre igualdade de gênero e raça.
Se como meio expositor do machismo, “Suprema” não apresenta grandes ideias, como reverência à figura de Ginsburg, o longa-metragem de Leder encontra seu ponto alto. Com uma atuação segura de Felicity Jones, que defende sua personagem com uma interpretação baseada em gestos mínimos, a protagonista é sempre o elemento central das cenas nas quais aparece. Jones utiliza sempre elementos minuciosos, como uma mudança no olhar ou uma flexão nos músculos da boca para expressar os sentimentos de sua personagem. Essas escolhas de expressão estabelecem Ruth como uma figura forte, segura, mas que vez ou outra deixa escapar suas fragilidades quando exposta ou atacada. Uma pena que tais fragilidades fiquem sempre no campo da sugestão. O momento de maior exposição emocional de Ruth, por exemplo, ocorre em uma cena que não possui sequer a presença da personagem (!), consistindo apenas em uma conversa entre seu marido e sua filha.
É uma pena que, em contraponto a essa construção tão esforçada de Jones, o roteiro Daniel Stiepleman traga uma personagem tão unidimensional, como se a intenção dos realizadores fosse santificar a figura de Ruth Gingsburg sem que haja nenhuma complexidade na personagem. Não há conflitos se não os que existem apenas para reafirmar a grandiosidade da protagonista. O resultado? Um filme cheio de boas intenções, mas careta, sem grandes aspirações. Uma cinebiografia que reverencia tanto sua protagonista que, assim como ela, acaba soando anacrônica, por não conseguir sair do básico em nenhuma das discussões que propõe e parecendo.