Danny Boyle é um tremendo diretor. Qualquer crítica de T2 Trainspotting, continuação do clássico britânico de 1996, precisa passar por esta afirmação. Então, que ela seja feita de uma vez. Vivemos uma era de continuações que, ou são completamente descartáveis – O Exterminador do Futuro: Gênesis – ou ignoram os filmes anteriores para “facilitar” a compreensão de um novo público – Jurassic World e Star Wars: Episódio 7. Mesmo alguns não sendo exatamente filmes ruins, uma continuação que não lida com os acontecimentos do filme que a precedeu é, no mínimo, uma demonstração de preguiça na confecção do roteiro.
Felizmente, este não é o caso. Trainspotting sempre foi um filme de segmento (leia a crítica que escrevi para a seção “Canto Cult” aqui) e seria um erro adequá-lo para que se tornasse abrangente a grandes públicos, além de uma contradição à própria proposta do filme. Para assistir a T2 Trainspotting, você precisa ver o original. Nada excepcional, apenas algo que deveria ser básico em qualquer continuação, mas não é.
Vinte anos após – spoiler do primeiro filme – fugir com todo o dinheiro que deveria ser dividido entre ele e seus amigos Sick Boy (Johnny Lee Miller), Spud (Ewen Bremmer) e Begbie (Robert Carlyle), Mark Renton (Ewan McGregor) volta a Edimburgo para reencontrar aqueles que um dia foram passados para trás por ele. Vinte anos é um período grande o suficiente para apagar certas mágoas?
Assim como no original, Boyle faz uso de subtextos para preencher lacunas e manter o filme dinâmico. Uma boa metáfora para a mudança dos tempos é que T2 tem a mesma “Lust for Life” de Iggy Pop, mas agora em uma versão Remix do Prodigy. A propósito, a sequência de abertura, com “Shotgun Mouthwash”, do DJ High Contrast, é tão musical quanto a do filme de 1996. Quase um clipe. A trilha, por sinal, preserva clássicos da cena pop oitentista como Frankie Goes to Hollywood e Blondie, mas se renova com artistas como Fat White Family e Young Fathers, além do próprio High Contrast. O tempo passou e Danny Boyle faz questão de mostrar que não viveu os últimos 20 anos numa bolha.
A mensagem por trás de Trainspotting ainda está lá: nossas vidas são tremendamente bagunçadas e a noção de “ordem” não é muito mais do que uma ilusão que criamos para não desistirmos de tudo. O discurso “escolha a vida”, com parte presente no trailer oficial, tem o mesmo impacto do original. T2 Trainspotting tem muitos desses momentos “tapa na cara”, embora não guarde o mesmo brilhantismo de seu predecessor, que era uma miscelânea lúdica entremeada de forma absurdamente harmônica por choques grotescos de realidade, como a famigerada cena do bebê. Mas isso é mais mérito de um do que demérito de outro.
Boyle não deixou de compor quadros incríveis com funções narrativas. A casa de Renton é filmada torta, como uma caixa virada para expulsar um item do fundo. Ele não vai ficar lá quando volta, está claro no incômodo visual que as cenas no interior representam. Já na chegada, usando o clássico recurso dos planos contra-plongée, em que a casa é perfeitamente enquadrada tomando todo o espaço de tela, oprimindo um pequeno Renton. Notável.
O desenvolvimento dos personagens originais também é aprofundado, dando novas camadas de conteúdo a cada um. Spud sempre teve uma sensibilidade inata, que neste filme é trabalhada numa saída até comum, mas bem executada. Sick Boy – “agora eu prefiro Simon” – tentando construir algo na vida antes de simplesmente desaparecer. Alguns traços da personalidade de Begbie que antes foram sugeridos, agora são explicitados. E uma tensão amorosa que estava mais ou menos evidente no primeiro filme é finalmente comprovada, mas de uma forma que não compromete a história principal.
As drogas existem, mas sua importância em T2 Trainspotting é relativizada. Uma decisão sensata, porque pessoas podem preservar traços da personalidade, mas mudam em 20 anos. Quem permanece o mesmo, é ridículo. A intenção de Boyle é nos identificar com aqueles viciados fracassados. Quando Renton diz “não faço a menor ideia do que fazer com os próximos 40 anos”, desperta em nossas cabeças uma dúvida que já temos: quem sabe?
Apesar da óbvia sensação de nostalgia – que é celebrada, e não forçada –, T2 é uma continuação que se justifica. Não é um caça-níqueis, mas uma releitura que vai além. Vivemos a juventude como se não houvesse amanhã, mas o amanhã, eventualmente, chega.
E aí? Você escolhe a vida?