Como os filmes anteriores de André Novais Oliveira, “Temporada” é caracterizado por um realismo que trata os momentos mais duros da vida como desdobramento inevitável de estar nela, logo, se distanciando de qualquer abordagem trágica, que use essa estética para submeter personagens a acontecimentos emocionalmente devastadores (como fazem, por exemplo, Pablo Trapero e Alejandro González Iñarritu). Mais do que isso, Novais vem realizando, desde os curtas e passando por seu bonito primeiro longa, “Ela Volta na Quinta” (2014), uma espécie de cinema de família, no qual os próprios parentes (o pai, Norberto Novais Oliveira, a mãe, Maria José Novais Oliveira, e o irmão, Renato Novais) encenam narrativas ficcionais relacionadas a experiências de seu cotidiano.
Mas há aqui um passo adiante na obra do diretor. Norberto, Maria José e Renato estão presentes em “Temporada”, mas em papeis menores. No centro da história está Juliana (Grace Passô), mulher de meia idade que, convocada para assumir uma vaga de agente de combate a endemias na prefeitura de Contagem, é levada a lidar com esse começo de uma nova vida, distante do marido (que ainda mora e trabalha em sua cidade natal, Itaúna). Passô é uma das grandes atrizes brasileiras da contemporaneidade e o cuidado na construção do arco de sua personagem revela um diretor mais rigoroso. A dramaturgia de “Temporada” é muito precisa e da interação entre essa precisão e a fluidez naturalista do cinema anterior de Novais, que quase lhe dá uma cara de documentário observacional, nasce um filme emocionalmente forte, com pequenos ganchos dramáticos muito bem inseridos numa história que parece estar simplesmente acompanhando o dia-a-dia de alguém.
É interessante pensar a experiência de “Quintal” (2015) como mediadora entre “Ela Volta na Quinta” e “Temporada”. Nesse curta, Novais partiu do mesmo tipo de registro a que estava habituado, inclusive filmando com seus pais, para, em determinado ponto, inserir um elemento fantástico que em boa medida reconfigura seu cinema. No novo longa não há, claro, a presença do fantástico, mas é como se esse exercício com o extremo tivesse preparado Novais para uma aproximação mais dramatizada do cotidiano. Como se o diretor passasse pelo portal tridimensional que se abre em “Quintal” e saísse dele com um olhar cinematograficamente mais apurado.
Em “Temporada”, Juliana encarna abertamente a solidão da mulher negra, mas a interpretação de Passô e o registro do diretor são minimalistas, sempre atentos a pequenos gestos e nunca preocupados em verbalizar o tema. Novais não cede, por exemplo, à tentação de uma grande cena catártica como a que encerra “Luna”, de Cris Azzi. Interessa-lhe, primordialmente, a jornada de recomeço estruturada toda sobre a observação do ordinário. A saída da situação de aparente estabilidade na cidade natal, o difícil processo de adaptação à nova realidade num lugar desconhecido, e, enfim, a tomada de controle da própria vida. A cena final de “Temporada”, aliás, se constrói justamente sobre essa analogia, que pode ser óbvia, mas faz total sentido dentro da simplicidade das ações no cinema de Novais.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Plano Aberto para o 51º Festival de Brasília. Para ler outros textos de nossa cobertura, clique aqui.