Filmes de guerra são figurinhas carimbadas no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Em 2016, inclusive, do tema saiu o vencedor, o ótimo O Filho de Saúl (que nem a pau é melhor que o colossal O Abraço da Serpente, mas tem seu valor). Em 2017, a bola da vez é o dinamarquês-alemão Terra de Minas, que acompanha o sargento Rasmussen, encarregado de liderar um grupo de jovens alemães prisioneiros de guerra que, para ter sua liberdade, são sujeitados a trabalharem desarmando dezenas de milhares de minas espalhadas por uma praia da Dinamarca.
Já na estrutura de seu enredo, podemos ver escolhas curiosas por parte do roteirista Martin Zandvliet. Em nenhum momento os prisioneiros nazistas são retratados como vilões, sendo agredidos física e verbalmente desde a cena de abertura da obra, tentando criar empatia no público. Mas essa escolha já resulta no primeiro problema da obra: se não conseguimos nos identificar com o protagonista, não há como embarcarmos no processo de desconstrução que virá a acontecer na mente do sargento dinamarquês.
E para piorar essa escolha, o script nem ao menos esboça desenvolver o passado dos prisioneiros. Há uma óbvia necessidade de separar os prisioneiros dos ideais nazistas, mostrando que estes não estavam na guerra por escolha ou ideologia, e sim porque foram obrigados. Não fazendo esta separação, a obra tenta fazer com que o público sinta empatia não pelas crianças ali expostas, mas por soldados nazistas em geral, o que é um erro narrativo e ético absurdo.
O foco da obra, que poderia ser funcionar exercitar a empatia e a capacidade de analise crítica do público, acaba sendo criar um drama histórico de guerra. Pelos fatores mencionados, há um vácuo entre a visão do protagonista e a do público, o que resulta em um distanciamento entre espectador e obra que pode tornar a experiência fria. Em um drama, poucas coisas podem ser tão prejudiciais quanto a impossibilidade de emocionar seu público.
A direção, também de Zandvliet, também não acerta no tom de seu filme. Ao invés de mostrar que a situação exposta é cheia de tons de cinza, com pessoas sujeitadas à momentos de intensa degradação humana dos dois lados, havendo inocentes e culpados nos dois exércitos, o diretor opta por inverter a perspectiva e situar sempre os dinamarqueses como vilões, sempre com atuações caricatas que ressaltam a crueldade dos escandinavos e cimentando os prisioneiros nazistas como inocentes (sem que, como foi dito acima, desenvolva o passado e a impossibilidade destes de se desvincularem da guerra).
A fotografia do filme aproveita suas paisagens para construir lindíssimos planos gerais que, mesmo criando o tom desértico e desesperançoso que paira sobre a narrativa, não desenvolvem os sentimentos de seus personagens como poderiam. Não há isolamento, medo, desesperança ou desespero na fotografia do filme, apenas nas boas atuações dos jovens alemães, que são o coração de Terra de Minas.
Nas atuações o filme encontra seu ponto forte. Desde a falta de perspectiva latente nos olhos dos gêmeos e a insegurança do líder do esquadrão ao sargento Rasmussen. O dinamarquês, porém, é incapaz de construir a transformação de percepção que ocorre em seu personagem. Vemos Rasmussen como o implacável militar e como a atenciosa e quase paternal figura que se envolve com seus subordinados, mas não vemos como um levou ao outro.
Outro acerto da obra é o estabelecimento da tensão presente nos momentos onde os jovens alemães estão desarmando as minas terrestres. Ao não usar trilha sonora e focar no design de som para destacar cada barulho emitido pelas minas, a aflição dos personagens é bem conduzida ao espectador, principalmente ao constatarmos que há um inteligente uso de planos detalhe que focam nos rostos e nas suas mãos, que retratam o nervosismo diante de uma iminente morte por explosão.
No meio de tantos erros que enfraquecem o que poderia ser um excelente filme, há sutilezas dignas de nota. O momento em que os jovens prisioneiros se aproximam de uma menina para roubar seu pão e acabam interagindo com sua boneca destaca bem a perda da inocência e a infância roubada pela guerra. As cenas mais violentas, que levam os personagens ao desespero, gritando por suas mães, também expõem bem que trata-se de uma situação envolvendo crianças, não soldados.
Com inúmeras más escolhas que prejudicam o ato central, Terra de Minas é um bom drama que abre e fecha com honestidade e simplicidade. Obras do tipo são importantes não só como registro de acontecimentos históricos desconhecidos do grande público, mas também para nos lembrar que há vítimas em todos os lados de uma guerra.