O roteirista Taylor Sheridan ganhou notoriedade após seus trabalhos nos elogiados Sicário: Terra de Ninguém e A Qualquer Custo. Em 2017, então, o americano decidiu alçar vôos mais altos, e, além de assinar o roteiro, tomou a direção de seu mais recente projeto, Terra Selvagem. Um erro comum do roteirista que se arrisca na direção é não compreender que o script é apenas o ponto de partida da obra. Para construir um filme, há de se fazer uso dos recursos audiovisuais por ele proporcionados. A narrativa consiste na união de todos os elementos a fim de contar a história. Como dizia Roger Ebert: pouco importa o que o filme diz, o que importa é como o filme diz. Sheridan, infelizmente, não compreende isso, e tem com Terra Selvagem uma obra narrativamente pedestre, que depende em demasia do script para funcionar – e pior: encontra nele erros imperdoáveis.
Durante o inverno, em uma reserva indígena em Wyoming, nos Estados Unidos, o caçador Cory Lambert (Jeremy Renner) encontra o corpo de Natalie Hanson, uma das moradoras da reserva. A pedido da agente do FBI Jane Banner (Elizabeth Olsen), Cory se junta a ela e à força policial local a fim de desvendar os mistérios que circulam a morte da jovem. A trama tem, em sua primeira parte, um bem-vindo clima de suspense. Conforme acompanhamos Cory, Jane e cia nas investigações, temos aqui e ali pistas do passado do protagonista, sua relação com sua ex-mulher, seu filho e com os outros moradores da reserva indicam que o personagem também teve sua própria tragédia pessoal.
Os planos abertos que exaltam o vazio da paisagem da reserva são uma escolha interessante. O excesso de neve e o trabalho de som, que enaltece os sons da natureza, são importantes para criar o clima desolado do ambiente. Quando adentramos na reserva pela primeira vez, há um plano específico que traz a bandeira dos Estados Unidos içada de cabeça para baixo, funcionando para sinalizar que, a partir daquele momento, adentramos uma terra sem lei, onde, aos poucos, descobrimos que todos são angustiados pelo passado. Aliás, angústia é o sentimento que domina o elenco: com exceção da outsider Jane, todos os personagens trazem em seus semblantes a melancolia e, por seus diálogos, revelam sutilmente algum trauma, o que é essencial para que todos os envolvidos na investigação tenham uma motivação pessoal para ajudar a resolver o caso.
O problema de Terra Selvagem é o eterno laço com o texto. Sheridan se esforça para estabelecer clima pelo texto ou pelas atuações. Não há uma variação nos enquadramentos, não há o uso de cores para sugerir sensações, não há uma mudança de ritmo a fim de dar impacto às cenas mais aceleradas. O momento mais cinematográfico da obra surge pela montagem, justamente para mascarar uma trama extremamente previsível e repetitiva, digna dos dias mais esquecíveis do Tela Quente, na TV Globo. Nesse momento, a quebra de linearidade da narrativa existe para que o espectador possa absorver o impacto da cena seguinte, mas, pela simplicidade da trama, o resultado é uma cena extremamente expositiva, que revela todo o mistério acerca do crime – e sem trazer nada de novo.
Taylor Sheridan obtém sucesso ao criar personagens interessantes, como o pai vivido por Gil Birmingham, que por meio de sua atuação introspectiva e carregada, protagoniza alguns dos mais intensos momentos da obra. Nem os esforços do bom elenco salvam, porém. Terra Selvagem traz uma trama previsível e óbvia, sem nunca utilizar as técnicas do cinema para dar o mínimo de originalidade à narrativa. Se como roteirista o talento de Sheridan é enorme, como diretor, ainda há muito o que aprender, ou o destino de seus próximos projetos será mesmo o Supercine ou a Tela Quente.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Plano Aberto do Festival do Rio de 2017.