Os dizeres “10 anos após o colapso” que precedem os primeiros planos de The Rover são desnecessários. Ao observarmos a aparência dos personagens, os cenários vazios e o estabelecimento totalmente sujo e improvisado no qual o protagonista adentra, prontamente o espectador fica ciente da natureza apocalíptica desta obra de David Michôd.
Lançado em 2013, a obra que estranhamente foi ignorada pelo circuito, acompanha o personagem de Guy Pearce, Eric, na busca por três bandidos que furtaram seu carro. Enquanto acompanhamos essa perseguição, somos introduzidos à Reynolds (Robert Pattinson), o descontrolado irmão mais novo de um dos antagonistas que foi deixado pra trás pela gangue.
Ao utilizar planos abertos aliados à uma saturada paleta de cores e uma trilha contida que induz tensão, o filme nos faz compreender a natureza do ambiente em que estamos inseridos. Em The Rover, o mundo como conhecemos entrou em colapso, e os poucos remanescentes sobrevivem como podem, se alimentando do que encontram e roubando o que puderem. A luz do sol e a aridez do deserto são os únicos elementos que lembram seus personagens de que ainda existe vida dentro de seus corpos.
Pequenos detalhes são suficientes para compreendermos a natureza dessa sociedade. Há uma cena na qual Eric chega à um pequeno e informal comercio pedindo informação. Os donos do lugar não o ajudam nem o recebem bem. Mais tarde, quando o protagonista retorna ao lugar, vemos que os mesmos comerciantes já estão armados à sua espera. É um mundo onde não há espaço para erros, a vida se torna banal. Todas as mortes dos 102 minutos de projeção são frias e retratadas com muita naturalidade. A morte, afinal, se tornou algo comum e intrínseco deste novo mundo.
Percebemos que algumas dessas mortes são totalmente inesperadas, mas não trazem nenhum sentimento para os personagens presentes em cena. Curiosamente, o único personagem ainda afetado por elas é justamente Reynolds, que não se adapta ao novo mundo e carrega por um bom tempo o fardo de seu primeiro assassinato. Pattinson, que ficou conhecido por seu papel na abjeta saga Crepúsculo, aqui surpreende e traz o último resquício de humanidade presente em The Rover. Sua voz irregular, sua expressão sempre insegura e exageradamente emotiva e seus recorrentes ferimentos nos lembram que ainda há humanidade na trama.
Mas o filme não é sobre Reynolds. O rapaz é uma fantástica ferramenta do roteiro de David Michôd para expor a perda de sensibilidade da humanidade pós-colapso. O foco da narrativa é escancarar a discrepância entre quem se adapta à desértica e implacável realidade (Eric) e quem ainda não a concebeu (Reynolds).
O individualismo e frieza de Eric são tão avançados que o mesmo não demonstra empatia alguma por pessoas transformadas em escravas sexuais. Ele, aliás, sequer reage às descobertas feitas, como se fosse algo recorrente em sua vida. Repetidas vezes perguntas são feitas ao protagonista e o mesmo as ignora, emendando com seus próprios questionamentos. Não há espaço para compaixão ou para trivialidades. Outro momento que ressalta a diferença entre os membros da dupla é quando eles passam por pessoas crucificadas na beira da estrada. Enquanto o personagem de Guy Pearce sequer inclina a cabeça para observar, mantendo o foco na estrada, Reynolds demonstra profundo incômodo com o que seus olhos presenciam.
Mas Eric não deixou de ser humano só em seus sentimentos, o personagem em alguns momentos se comporta como um animal de forma aparentemente inconsciente. A cena de perseguição do primeiro ato do filme, por exemplo, faz o protagonista parecer um cachorro, quando ao perseguir um carro é ameaçado, diminui a velocidade por alguns segundos para, logo em seguida, voltar a perseguir, como se não houvesse o mínimo risco de ser atingido. Não há temor pela morte, não há amor pela vida, há apenas foco.
Outro acerto do filme é a forma com que todas as situações adversas são retratadas. Desde tiroteios à sequestros, assassinatos e até os momentos que remetem ao período escravagista, os enquadramentos e movimentos de câmera são similares, fazendo o espectador compreender que nada disso é anormal para os habitantes do mundo pós-colapso.
Os momentos finais de The Rover não trazem um grande clímax, mas evidenciam mais a humanidade de Reynolds, a frieza das pessoas à sua volta e explicam com imagens (algo raro no cinema contemporâneo) o que leva Eric à ter tanto apreço por seu carro. Dentro dele, havia o último elemento que o personagem ainda se identificava. Não há um grande arco a ser fechado, afinal. The Rover não é um thriller de ação, é um drama sobre humanidade e empatia com uma estética que mistura o clima apocalíptico de Mad Max com a cadência de tempo dos clássicos faroestes.