A primeira cena de The Square: A Arte da Discórdia é aparentemente cômica e trivial, mas apresenta características de dois personagens da melhor forma possível, em ações. Em meio à entrevista dada por Christian (Claes Bang) a Anne (Elisabeth Moss), escondidos entre as perguntas sobre o papel social da Arte, a “concorrência” que os museus enfrentam com ricos colecionadores particulares e as dúvidas que o próprio curador do Museu de Arte Moderna – MAM – de Estocolmo tenha a respeito do que seja “Arte”, estão traços do par que serão explorados ao longo de toda a trama. A regra de ouro para a boa narrativa é “se você precisa de algo no terceiro ato, mostre no primeiro”. Isso, o diretor Ruben Östlund tira de letra com uma abertura de almanaque.
Mas o filme vai além deste debate justo e relevante – nunca será demais lembrar que o Brasil intima curadores de museus para depor em CPIs – para discutir mais do que a relação entre sociedade e a Arte, mas a forma como a própria Arte parece ter perdido espaço na formação do indivíduo. Quando Christian gagueja para responder a respeito de um texto publicado no site do próprio museu, Östlund abre a possibilidade para o espectador suspeitar de um descompasso entre palavra e ação, discurso oficial e conversa informal. Tudo isso representado numa instalação artística: The Square (“O Quadrado”).
The Square trabalha com a instigante ideia de que a forma como uma obra de arte é anunciada para o público configura uma narrativa à parte da obra em si. Ao contratar uma agência de publicidade para “vender” a instalação, o MAM de Estocolmo descobre que o conceito por trás dela, “um local seguro onde todos são iguais e dividem as mesmas responsabilidades”, não tem apelo midiático. E tal apelo midiático precisa vir da controvérsia. Para atrair o interesse das pessoas em uma obra que evoca o senso de comunidade e empatia, é preciso vender violência gratuita e ultrajante. Paradoxal, mas preciso. Pós-moderno.
A sátira social de Östlund tem seu ponto alto num assalto e suas consequências. Visto pela perspectiva de Christian, The Square coloca a audiência numa montanha-russa de emoções: riso, euforia, ansiedade, pavor. Tudo movido por ignorância e pré-conceitos do protagonista. Quando ele está num lugar que considera ameaçador, o emudecimento da trilha sonora, adicionado ao aumento sensível de elementos da mixagem de som como passos, portas batendo, ecos e gotejares tornam o ambiente assustador. Os planos fechados, algo que não se repete no restante do filme, ressaltam o medo de Christian. Essas mudanças repentinas de tom tornam The Square num filme sensorial, que faz o espectador se apoiar na ponta da poltrona e em seguida dançar freneticamente com a música eletrônica da cena seguinte, despejando a tensão acumulada.
Analisada ao término do filme, a presença das filhas de Christian é importante para criar um contraste nos diferentes pesos e medidas adotados pelo personagem e se justifica, mas a forma como elas entram na história, já na metade do filme e sem nenhuma apresentação prévia, acaba deixando suas cenas fora de contexto, corpos estranhos em uma estrutura amarrada. Por mais que faça sentido na chegada, o trajeto poderia ter sido melhor traçado. Anne tem o carisma de Elisabeth Moss (The Handmaid’s Tale) para confrontar e até ofuscar Christian nas cenas em que dividem, mas também é pouco aproveitada. Sua presença questionadora fala pelo público, tão interessado em saber o que pensa Christian do que ela.
Envolvendo os limites da Arte, a ética da publicidade e as divergências entre o que a Arte representa e o que fazemos aos semelhantes, The Square encerra sem uma resposta definitiva, até porque não há uma. Em vez disso, nos tira do cinema com uma grande pergunta pairando sobre nossas cabeças: nós realmente fazemos aquilo que defendemos como certo para os outros fazerem?