Em seus onze minutos de duração, o elemento cinematográfico mais estimulante de The Thing That Ate The Birds reside no uso da montagem paralela. Alterna-se entre o que está acontecendo no ambiente externo (campo), em que está protagonista Abel, e no interior de sua casa, onde está sua mulher, Grace. Deste constante vai-e-vem entre os dois núcleos, é possível identificar alguns dos subtextos que a dupla de diretores Sophie Mair e Dan Gitsham quis tratar. Em primeiro lugar, ao contrapor esses dois “mundos diferentes”, há uma associação da esposa, mulher, à atividade doméstica, com a casa se revelando um espaço enclausurado. Em contraponto, há o marido, homem, caçando no campo, uma área aberta que remete a liberdade.
Um outro subtexto, desta vez um pouco mais explícito, é o da violência doméstica. Há um momento em que Grace machuca o pé ao pisar em uma garrafa de vidro quebrada, com a cena sendo filmada a partir de um plano detalhe que enfatiza graficamente a sola de seu pé rasgada e com muito sangue escorrendo. Logo em seguida, a montagem corta para Abel, fora da casa, com a mão cheia de sangue, pois ele estava caçando um animal estranho que estava matando os pássaros da região. Lógico que as duas cenas não possuem nenhuma ligação direta, sem relação de causa-e-consequência, mas, a partir de um mote visual comum (o sangue), a montagem está afirmando que o que acontece em um núcleo, impacta no outro. Ou seja, há sangue por todo lugar, em um ciclo de violência sem fim. Que ciclo seria esse, então?
Se, em uma primeira camada, The Thing That Ate The Birds pode ser visto como um exercício do gênero de terror fantástico — e é eficiente enquanto tal, com destaque principalmente ao seu design sonoro —, fica evidente que Mair e Gitsham também querem falar de temas sociais. No entanto, isso jamais é verbalizado ou dado facilmente ao espectador, com a conclusão dessa situação sendo proveniente de pequenos momentos que vão se juntando como um quebra-cabeça. A primeira peça seria o plano em que Abel dorme no sofá da casa e se vê, ao seu lado, uma garrafa de whisky vazia ao e suas roupas jogadas no chão. Ao acordar, ele vai ao quarto onde sua esposa está deitada, de costas para a porta, fingindo que está dormindo, com o plano escolhido permitindo que o espectador veja que, na verdade, ela está de olho aberto. Posteriormente, escuta-se Grace falando ao telefone com uma amiga sobre Abel, indicando que ele não vai mudar e essa é a sua natureza. Ou seja, é possível deduzir, do que foi apresentado, que definitivamente se trata de um casal em conflito, a ponto de cada um dormir em um cômodo, além de que Abel enfrenta alcoolismo e provavelmente viola sua esposa fisicamente.
Assim, agora é possível entender o motivo de The Thing That Ate The Birds ser narrado a partir da montagem paralela, pois o que os diretores querem é traçar uma semelhança metafórica entre o próprio Abel e a criatura que ele está caçando. Como ponto de convergência, as ações dos dois aparentemente são sem motivação plausível, justificadas como “parte da natureza deles” e envolvem consequências sanguinárias. Por este motivo, muito interessante é a decupagem do momento em que Abel encontra a criatura pela primeira vez. Ao resolver a cena a partir da lógica do “plano-e-contraplano”, estabelece-se que há uma aparente oposição entre aquelas duas criaturas, com Abel vendo o “monstro” como um “Outro”, quando, na verdade, ele é apenas o seu espelho. Na verdade, Abel é pior ainda, pois, diferente do que se vê da criatura, que agia por instintos naturais, ele teve a opção de não atirar, já que ela não foi para cima dele, e mesmo assim decidiu realizar o ato, ainda alvejando-a repetidas vezes, enquanto ela agonizava. Neste sentido, possivelmente parece haver algum comentário sobre a relação de intolerância do Brexit, entre nativos e estrangeiros, visto que o forte sotaque de britânico é o grande traço marcante da atuação dos atores, mas, neste ponto, o simbolismo nunca fica tão claro quanto o da violência doméstica. Portanto, no fim, será por consequência de seu próprio sadismo, do seu tratamento com o “Outro”, que o seu ambiente caseiro implodirá. Nunca se tratou de sua natureza, mas de suas escolhas (a violência e o alcoolismo), que agora repercutem da maneira mais literal em sua vida.