Força Maior (2014), o filme que tornou Ruben Östlund conhecido, já anunciava o interesse do diretor em olhar com mordacidade para comportamentos e relações humanas cotidianas. A postura distanciada e avaliadora perante os personagens estava posta desde então, mas havia ali uma curiosidade genuína por aquelas figuras em crise com suas escolhas e impulsos, e uma disposição a investir no desenvolvimento de seus dramas. Isso se perdeu na sequência do cinema de Östlund, que passou a ser caracterizado por críticas sociais óbvias e superficiais, feitas em narrativas estruturadas a partir de esquetes frouxamente articuladas, e por personagens com os quais o diretor não se importa nem um pouco. Infelizmente, essa vem sendo também a fase mais premiada de sua carreira – tanto The Square – A Arte da Discórdia (2017) quanto Triângulo da Tristeza (2022) venceram a Palma de Ouro no Festival de Cannes.
Esse último filme até começa parecendo evocar um momento anterior da obra de Östlund, já que seu primeiro (e breve) capítulo é todo dedicado ao casal de modelos Yaya (Charlbi Dean) e Carl (Harris Dickinson) lidando com um conflito decorrente de papeis de gênero socialmente atribuídos (algo que remete ao mote de Força Maior). Mas logo Triângulo da Tristeza envereda por outros caminhos, revelando seu verdadeiro interesse: comentar criticamente as relações de classe no capitalismo contemporâneo e a futilidade extremada da burguesia.
O segundo capítulo do filme estabelece então esse microuniverso: um cruzeiro de luxo que concentra tensões sociais e no qual os representantes das elites econômicas exercem seu poder sobre empregados explorados e são ridicularizados por Östlund. Tal segmento de Triângulo da Tristeza até tem alguns momentos divertidos, sobretudo aqueles mais escatológicos, mas novamente o diretor abre mão cedo demais de uma dinâmica promissora (e de personagens curiosos, como o interpretado por Woody Harrelson) em prol de iniciar uma nova esquete, com apenas alguns dos passageiros e tripulantes da embarcação isolados numa ilha. E é quando o filme desanda de vez.
A parte final de Triângulo da Tristeza se organiza segundo a lógica da inversão de lugares sociais (tema enunciado em momentos anteriores, mas só aqui realmente desenvolvido), a partir da ascensão de Abigail (Dolly De Leon), faxineira do cruzeiro, a uma posição de poder. A escolha desse caminho já é em si óbvia considerando os intentos do filme, mas o que mais chama atenção é a incapacidade de Östlund de mergulhar na brutalidade potencializada por uma situação extrema. Toda a explicitude e escatologia do capítulo dois são inexplicavelmente abandonadas, trocadas por esboços de situações novas entre os personagens, que nunca avançam propriamente. O diretor prefere, por exemplo, colocar Yaya dizendo a Abigail que essa última criou um verdadeiro matriarcado na ilha do que mostrar isso concretamente acontecendo.
Östlund faz um cinema que tenta se equilibrar entre a crítica ácida a tudo que está aí (a vaziez contemporânea, o politicamente correto, o capitalismo selvagem disfarçado de bom mocismo) e o bom gosto do circuito de festivais. Não acredita de fato na força criadora das metáforas como M. Night Shyamalan, tampouco tem a coragem de correr riscos reais ao mirar seu arsenal crítico, como Lars von Trier. Seus últimos filmes são então inócuos, frustrantes e provocativos só até a página dois. Ainda assim – o que inclusive pode ser visto como um sintoma involuntário desses mesmos problemas que buscam atacar –, adorados por críticos mundo afora e premiados nos maiores espaços de legitimação da arte cinematográfica.