Uncharted: Fora do Mapa

Uncharted: Fora do Mapa

Uma aventura comportada, mas digna

Matheus Fiore - 15 de fevereiro de 2022

Apesar do histórico da saga, Uncharted tem outras preocupações antes de ser uma aventura. O filme sofre com um problema que parece ter contaminado toda a indústria de grandes produções: a necessidade de existir para além de sua metragem. A história por si não importa e menos ainda a narrativa, o que importa é introduzir novas franquias. A obra de Fleischer precisa se legitimar como uma nova saga antes de tudo, o que traz muitos problemas para a aventura que, até é bem bacana, mas que poderia ser muito mais.

Não há como negar que Uncharted possui sim um espírito aventureiro e, principalmente em seu último terço, se esforça bastante para que o espectador fique maravilhado com as descobertas de Nathan Drake (Tom Holland) da mesma forma que o personagem. Fleischer é um diretor não renomado, mas que costuma entender bem os tipos de cinema que faz. Entendeu bem o humor do roteiro em Zumbilândia e Venom. A diferença, aqui, é o conflito entre o que o diretor quer realizar e o que seu contrato o obriga a fazer.

Se os momentos de exploração e ação (mesmo que nem sempre bem filmada) são o ponto alto do longa, eles demoram para chegar. Uncharted dedica muito tempo a apresentar conflitos que simplesmente não são relevantes para a trama. E não digo no sentido de não nos importarmos como espectador com gosto A ou B, é que eles de fato não possuem relevância. Há subtramas que ocupam um espaço imenso do filme e que têm seus desenvolvimentos empurrados para uma possível continuação. Funciona, portanto, como uma introdução de saga, mas é decepcionante que um filme de duas horas não consiga se manter sozinho sem inserir ganchos para sequências.

Um fato curioso é que Uncharted desvia ao máximo do modelo de narrativa gamificada. Se filmes como Tomb Raider se assumem como adaptações de jogos e apresentam uma narrativa dependente de elementos como pista e recompensa, Uncharted (não por acaso, adaptação de um dos mais cinematográficos jogos já feitos) é totalmente guiado pela história, e não pelos gatilhos ou fases. Tudo na narrativa construída por Fleischer existe para construir seu protagonista, ao ponto de o filme ter um carinho especial em momentos fundadores para o personagem (como a primeira vez em que ele veste o suporte para armas típico dos jogos).

É uma pena, porém, que quase todo esse desenvolvimento precise acontecer paralelamente à aventura e à ação. Uncharted tem um ritmo problemático por não saber mesclar a história e o gênero, o que resulta em um filme que “vai e volta”. Se há uma bela sequência de perseguição, em seguida o ritmo vai de 100km/h à zero para que sejamos bombardeados de explicações e desenvolvimento de personagens. É justamente esse problema que diferencia Uncharted das aventuras clássicas e o impede de ser algo mais que um filme divertido: a incompreensão de que, em filmes como o já citado A Múmia, o herói é formado não pelos diálogos, mas pela vivência. O que forma o personagem é o que ele vive, e não o que ouve. 

Ao fim, com tantas preocupações que extrapolam o filme em si, Uncharted consegue ser uma aventura bem decente. Ainda que muito comportada (até demais para um longa que adapta uma série tão aventureira), a obra se mantém firme até o fim principalmente por fazer um caminho praticamente inverso ao do modelo Marvel de cinema: se os filmes da Disney costumam começar cheios de vida e terminarem cinzentos e genéricos, Uncharted começa truncado, duro,  preocupado demais com o que vem depois, e em sua segunda metade, quando finalmente se entrega à diversão, se liberta e funciona.

Topo ▲