Plano Aberto

Val

Val Kilmer é talvez uma das figuras mais curiosas de Hollywood. Começou a carreira com uma participação já super marcante em uma das paródias mais famosas do cinema americano, Top Secret!: Superconfidencial, de 1984. Atingiu seu ápice de sucesso comercial logo bem cedo, quando foi um dos atores principais em Top Gun: Ases Indomáveis, de 1986. Assim, na época, Kilmer se transformou uma gigantesca estrela e ainda em ascensão, já que era reconhecido também por um talento artístico. Os anos 90 ainda trouxeram a possibilidade da interpretação de Jim Morrison, célebre vocalista do The Doors, na cinebiografia de 1991. E, talvez seu papel mais lembrado, como Bruce Wayne em “Batman Eternamente“.

Só que Val caiu em um belo ostracismo nos anos 2000, pouco aparecendo em grande destaque nos filmes. E isso, sem muita explicação. Houve uma tentativa severa de esconder que uma doença cercava ele, algo que acabou sendo revelado ao público em 2016. O que era? Um câncer na garganta. Assim, em busca de entender esse longo período da vida, do passado, presente e futuro, “Val” é um documentário que olha para o legado do ator em busca de compreender a condição de chegar até ali. Ao longo da carreira de quase 40 anos, de que forma o astro virou alguém esquecido? Qual a facilidade que a indústria tem em deixar grandes figuras de lado?

São essas algumas indagações mais claras dos diretores Leo Scott e Ting Poo. É interessante e até bem forte a forma como a produção busca sempre ir atrás dos paralelos temporais. A cena inicial já deixa isso bem claro, mostrando Kilmer em um momento de descontração da sua adolescência. Dessa forma, o longa está sempre recorrendo a uma forma de compreender os presentes e passados da vida não apenas dele, mas da formação de Hollywood em si. Esse elemento é tratado de forma tão catártica, a ponto de realmente vermos cenas contemporâneas do ator indo até os locais que gravou anteriormente. Uma ida a Londres, por exemplo, rememora uma espécie de passado perdido.

Mas não existe em “Val” apenas uma celebração dessa memória, mas também uma tentativa de entender uma perspectiva de legado personalista. Assim, em toda a duração, ouvimos a narração de Jack Kilmer, um dos filhos de Val Kilmer – esse quase impossibilitado de falar pelo tratamento do câncer. O fato desse texto ouvido ao longo da produção ser pessoal, trazer a visão totalmente única sobre essa passagem do tempo ainda causa mais o que os cineastas querem olhar: o presente perdido. Não se torna apenas uma homenagem, mas também um pessimismo inerente da condição atual desse personagem principal.

Em busca de reforçar esse elemento, Scott e Poo também tentam tratar de uma certa humanização perdida pela figura, que acaba sendo apenas visto como celebridade. A participação dele em um evento de faroeste e numa Comic Con se transformam em momentos de pura tensão, em que Kilmer não consegue nem assinar autógrafos ou tirar fotos sem passar mal. Até que ponto a necessidade de se manter relevante faz diferença para o corpo físico jogado no envelhecimento? Curioso como esse debate acontece em meio a um momento que diretores correm atrás de fazer questionamentos similares, como Clint Eastwood e Sylvester Stallone. Só que, ao modificar essa perspectiva para um documentário, é como se a realidade pudesse engolir a ficção.

Com essa brutalidade narrativa, Leo Scott e Ting Poo parecem querer extrair mais de um passado que pouco importa ao presente. Mas isso é feita de forma curiosa, capaz de trazer uma empatia complexa à figura de Val Kilmer. Na tentativa de buscar esse presente que causa mais medo que esperança, há um certo clima de catástrofe no ar. É como se Hollywood não conseguisse nem mesmo deixar um legado positivo em seus astros que reverberam até o contemporâneo. Enquanto isso, o passado é deixado de lado, renegado. Ao fim, parecemos quase ver uma certa estruturação do tratamento para o cinema pela atual indústria. Enquanto o futuro segue brilhando os olhos, o que passou é tratado como nada.

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