Valerian e a Cidade dos Mil Planetas é um filme medíocre, na acepção do termo: melhor resolvido que o péssimo Lucy, mais pretensioso que o divertidíssimo O Quinto Elemento, anos-luz atrás da pequena obra-prima O Profissional. Em comum, apenas o francês Luc Besson, um diretor tão audacioso quanto inconsistente, capaz de empilhar boas ideias e não resolver satisfatoriamente nenhuma delas.
Na cena introdutória, ao som de “Space Oddity”, Besson faz uma clipagem do avanço da corrida espacial. Começando na Apollo-Soyuz, primeira missão tripulada multinacional da história, passando pela criação da Estação Alpha no futuro 2020, uma zona neutra e receptiva para povos de diferentes pontos do Universo. Ao atingir um “estado supercrítico” em 2150, quando sua massa elevada pode fazê-la cair na Terra, Alpha foi liberada para o espaço profundo como um símbolo móvel da cooperação entre os povos.
Após essa sequência que, guardadas as devidas proporções, pode ser considerada a versão do francês para o balé espacial de 2001: Uma Odisseia no Espaço, Valerian começa a contar sua história 400 anos no futuro. No planeta Mül, lar dos Pearls, um povo pacífico e ecologicamente sustentável, Besson consegue falar sobre o imperialismo americano praticamente sem diálogos, com a criação de um mundo idílico e manifestações de pura beleza, como o cumprimento da princesa Lïhio-Minaa (Sasha Luss) ligeiramente diferente para seu interesse amoroso, emanando um ponto de luz vermelha junto ao padrão azul perolado. Também merecem elogios a direção de arte, que pensou em casas-concha gigantes para um povo praiano, e a edição, ao optar por omitir legendas em pontos-chave da ação, tornando a experiência muito mais sensorial do que narrativa.
Essa é uma constante em Valerian: a criação de ambientes ao mesmo tempo surrealistas e arrebatadores. O melhor exemplo está na operação que introduz o personagem-título e sua parceira. A recuperação de um artefato pelo major Valerian (Dane DeHaan) e a sargento Laureline (Cara Delevingne) faz Matrix parecer simples. Um set piece de ação alternada entre duas dimensões, com uma montagem eficiente em dar à sequência o grau de imersão dos envolvidos no resgate.
A grande missão de Valerian, descrita nos trailers, trata de uma corrida contra o tempo para impedir a destruição de Alpha por uma ameaça invisível. Há uma guinada de gênero, com elementos de film noir ditando a narrativa: uma investigação conduzida à margem do sistema, informantes de caráter dúbio, personagens escondendo segredos e a busca por um MacGuffin. Nenhuma destas ideias é ruim, mas Besson decepciona por não desenvolvê-las adequadamente.
A complexa malha social de Alpha é praticamente ignorada pelo filme. O abuso de diálogos expositivos – aqueles que não servem para nada além de informar ao público algo que deveria ser passado naturalmente pela própria história – rendem momentos patéticos como um personagem dizendo que só age “dentro do regulamento” segundos após ter desacatado uma ordem direta e nocauteado seu superior. Tecnicamente, o diretor poderia ter usado um ASL (average shot length, o tempo médio entre um corte e outro) maior, de forma que o público pudesse apreciar melhor os detalhes do mundo incrível criado pelo departamento de efeitos especiais. Ideologicamente, Valerian é apresentado como um mulherengo fanfarrão e tem uma postura sexista com Laureline, não resolvida na conclusão do longa, deixando a desconfortável sensação de que ele não aprendeu nada com os acontecimentos do filme.
Cara Delevingne, justamente criticada pela atuação pedestre em Esquadrão Suicida (escrevemos sobre o filme aqui), fez um trabalho acima das expectativas. Sua Laureline é prejudicada por algumas escolhas de roteiro, como colocá-la em apuros por absurda burrice logo após um ato de sagacidade e bravura. No que tange a atriz, Laureline é coerente na forma como reage às situações e uma salvaguarda crível para Valerian, que consegue ser simultaneamente brilhante e relapso. Dane DeHaan também não está mal, que pese sua falta de carisma (vide o Duende Verde de O Espetacular Homem-Aranha). Não se perdesse tanto em subtramas que não levam a nada e mais parecem fases de videogame rumo ao “chefão”, os protagonistas de Valerian não ficariam tão expostos a situações que diminuem seus personagens.
Outra que surpreende positivamente é Rihanna. Apesar da função primária de ajudar a campanha de marketing apenas pela sua presença, Bubble tem uma importância fundamental para a trama e a cantora não decepciona. Infelizmente, tão logo começamos a nos importar com ela, o roteiro – sempre ele – trata de descartá-la imediatamente após cumprir sua função narrativa.
Luc Besson é um diretor com assinatura. Praticamente um iconoclasta, que não tem o menor pudor em utilizar referências da cultura pop em seus filmes. Se ele colocou o lutador aposentado Tom Lister Jr. como presidente da Terra em O Quinto Elemento, não fez cerimônia para escalar o pianista de jazz Herbie Hancock como Ministro da Defesa em Valerian, além de referências propositalmente óbvias a Star Wars e Star Trek, sem contar as não tão óbvias assim a Thor, Robocop e Power Rangers.
Mas Valérian et Laureline, HQ francesa de Pierre Christin e Jean-Claude Mézières, circulou entre 1967 e 2010. Influenciou George Lucas na concepção de Star Wars e o próprio Besson em O Quinto Elemento. Houve tempo e dinheiro (o orçamento estimado de Valerian é de 170 milhões de dólares) para analisar a vasta bibliografia publicada e contar uma história digna para uma obra tão relevante quanto desconhecida. É inadmissível que um filme de ação no espaço chegue a um clímax tão morno. Fica a sensação de que poderia ser um marco. É só medíocre.