Plano Aberto

Vento Seco

Não é exatamente novidade no cinema brasileiro as cenas de nudez e sexo. O recurso se popularizou principalmente durante o anos 80, graças ao cinema da boca do lixo, à estimagtizada mas importantíssima pornochanchada. Por trás do humor e do sexo havia uma enorme carga política em cada cena do cinema nacional. Diretores como Carlos Reichenbach, o famoso Carlão, e Alfredo Sternheim não hesitavam em utilizar a nudez e o sexo como recurso para passar pelo olhar da censura da ditadura militar. Mesmo com o fim da ditadura e da pornochanchada, porém, a nudez permaneceu como uma característica de nosso cinema.

O cinema brasileiro tem a política e a sexualidade como elementos recorrentes em sua história, e no século XXI – principalmente a partir da última década –, ela começou a ser usada por artistas que buscam falar sobre questões sociais referentes a minorias, como a comunidade LGBTQ+. Vento Seco, filme de Daniel Nolasco, é mais um exemplar do atual momento da nossa arte. Mas, com o sexo e a nudez sendo tão comuns como recurso político em nossa arte, acaba sendo também comum vermos filmes que utilizam o recurso de maneira genérica ou até mesmo preguiçosa e pobre, como é o caso do terrível Divino Amor.

Felizmente, Vento Seco não se encaixa nesse grupo. Mesmo que imperfeito dentro de sua própria proposta – por motivos que, ao longo do texto, analisarei –, o filme de Nolasco consegue trazer algum frescor e mostrar personalidade, mesmo trabalhando em conceitos que não são muito novos. Acompanhando o dia-a-dia de trabalhadores de uma empresa fertilizadora, Vento Seco mostra personagens sufocados pela rotina de seus ofícios e que encontram no sexo uma manifestação de seus desejos e, de certa forma, um protesto contra o status quo.

São trabalhadores que se recusam a se curvar diante do modelo vigente de sociedade – tanto nas questões sociais quanto nas políticas –, que são revolucionários através da expressão corporal. Para ilustrar isso, Nolasco e seu diretor de fotografia, Larry Machado, fazem um trabalho impecável na construção imagética do filme. Vento Seco guia sua câmera não pelos rostos ou pelos acontecimentos relevantes de cada cena, mas sempre pelos corpos, as lentes acompanham o desejo de seus personagens, a busca pelo prazer. Poucas coisas ilustram melhor essa ideia de que a câmera segue os pensamentos do protagonista quanto uma cena na qual trabalhadores jogam futebol e o enquadramento foca apenas nos corpos sem camisa, sem sequer se importar minimamente com a bola.

É notável, porém, um desequilíbrio na seleção de imagens de Vento Seco. Se não faltam as cenas de sexo que operam como uma clara manifestação política dos personagens – já que muitas delas são projetadas logo após questões de trabalho, como a recusa do protagonista diante do pedido por sua assinatura em um documento importante –, as que exploram as carícias, sentimentos e minúcias desses personagens acabam sendo escassas. Mesmo que tente retratar o amor e a amizade, Vento Seco muitas vezes faz com que essas relações pareçam algo menor perto do puro alívio sexual dos personagens.

Nada que apague o brilho de um filme que consiga tornar tão tátil os sentimentos e impulsos de personagens tão vívidos, mesmo que muitas vezes tão quietos. Respeitando e entendendo que a força de sua obra reside em minúcias de atuações, em olhares e longas pausas entre diálogos, Daniel Nolasco faz um filme que acaba se apresentando como um convite para melhor entender a humanidade por trás do trabalhador, nos fazendo ver o mundo com as mesmas luzes e vibrações que ele, expandindo para toda a mise-en-scene esse mundo ilustrado com luz neon e muitas cores. Um filme sem medo de expor a sexualidade de seus personagens, porque afinal, seus corpos são o que ninguém pode tirar deles, mesmo que no contexto em que estejam, seus corpos sejam também sua ferramenta de trabalho.


Esse texto faz parte de nossa cobertura para a edição de 2020 do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba. Para ir até a página principal de nossa cobertura, clique aqui.
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