Plano Aberto

Vigiados

Uma das básicas máximas do slasher está no olhar, na observação. É através dela que serial killers possuem a visão privilegiada dos jovens que serão mortos na sequência de qualquer filme. Vejamos, por exemplo, o talvez maior pai desse subgênero do terror, que é “Halloween“, de 1978. Nele, John Carpenter usa e abusa de uma câmera subjetiva do ponto de vista do assassino, que terá sempre alguns passos à frente das vítimas. Esse é quase invisibilizado do mundo, só aparecendo em situações mais diretas. Essa formação do slasher foi um ponto de partida para todos fazerem o mesmo – incluíndo o giallo, que absorveu isso.

Todavia, ao pensarmos, é muito bobo aplicar essa máxima de forma contemporânea. O estado atual do mundo, vidrado sob a noção de vigiar, é quase impossível de ser quebrado, certo? Bom, alguns filmes tentam até burlar esse sentimento trazendo elementos novos. Um dos casos é “Hush: A Morte Ouve“, de 2016, feito por Mike Flanagan, onde a vítima é surda. Quem buscou mais uma novidade do século XXI foi Dave Franco em “Vigiados” (sob o título em inglês de The Rental). Aqui, a vigília não é mais ‘clássica’ como nos anos 70 e 80. Ela se torna tecnológica, fazendo parte de um mundo que vigia um ao outro o tempo inteiro.

Acompanhamos na história dois casais – sendo dois irmãos e suas respectivas esposas – que resolvem alugar uma casa isolada para passar o fim de semana. Essa é a base para o desenvolvimento de dramas passados não resolvidos com cada um deles. Assim, ao desaparecimento do cachorro levado por eles, Josh (Jeremy Allen White) começa a desconfiar que o dono da casa pode estar armando alguma emboscada para eles.

Franco tem uma clara noção de construção de uma realidade. Assim, acompanhamos a vida dos quatro chegando até essa casa. O cineasta faz todos eles percorrem todos os cômodos, afim de deixar claro toda a noção espacial desse ambiente, que será utilizada mais tarde. Um elemento é deixado claro quase de cara – ali há diversas possibilidades de se vigiar um ao outro, o que já deixa claro um elemento a ser trabalhado. É até curioso como, inicialmente, a história joga um elemento de possível xenofobia por parte do homem que está alugando com uma das mulheres. No entanto, essa questão de um “horror social” não passa de apenas uma fagulhar de uma verdadeira busca direta que o diretor quer fazer. A ideia é menos trabalhar algo verdadeiramente social, e mais desenvolver um terror direto.

O elemento fundamental para a mudança de perspectiva encontra-se na figura de uma câmera dentro de um dos banheiros (é mostrado, posteriormente, que essas câmeras estão espalhadas pela casa, na verdade). Acima de tudo, esse elemento se torna catalizador de uma construção dramática de como estão os relacionamentos. Dave Franco busca uma narrativa tão enraizada no século XXI, que traduz o medo sob duas formas: a dramática, com os relacionamentos acabando cada vez mais cedo e de forma mais pueril; e a do horror, com todos sendo vistos a qualquer instante. A falta de um sinal de celular no local, aliás, revebera essa sensação presa do mundo, na qual a tecnologia é catalizadora de tudo.

No terceiro ato é quando realmente o elemento do slasher toma conta. É curioso como “Vigiados” parece, em muitos momentos, menos interessado em criar as cenas de morte – algo típico do subgênero. Ele parece mais instigado a reverberar como essa construção da vigilância a todo momento causa um certo pavor a cada esquina. Assim como em outra, a única possibilidade de iluminar um ambiente é através da luz do mesmo aparelho. É como se, mesmo em uma floresta, distante de tudo, a necessidade básica do mundo se tornou propriamente a tecnologia, seja para o bem, seja para o mal.

Dramaticamente, o filme também não busca idealizar a construção do assassino. A sequência final mostrando como executa seu método, é a única que sai do vazio para esse personagem. Contudo, isso também é um elemento que complementa o lado narrativo do longa com a tecnologia, já que esse homem se torna uma espécie de mais um no mundo. Ele não se comunica com nada, já que sua única forma de fazer parte dessa realidade contemporânea é através da vigília, de estar o tempo inteiro no domínio da tecnologia.

Dessa forma, “Vigiados” deixa claro o seu interesse em absorver o mundo do século XXI para dentro de uma obra de slasher. Ao compreender e elucidar muito bem o gênero, Dave Franco abre caminhos para debates e possibilidades que os filmes de assassinos tem em um mundo atual. Na situação de vigília constante ao nosso redor, talvez faça mais sentido para o cineasta termos mais medo do que está ao nosso redor e acabamos não vendo pela visão limitada, do que propriamente o que os celular e computadores mostram na nossa frente.

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