Vingança a Sangue Frio

Vingança a Sangue Frio

Filme quase paródia do gênero “Liam Neeson vingativo”

Bruno Pires - 12 de março de 2019

A história de “Vingança a Sangue Frio” começa antes mesmo do próprio filme. Aos puristas, devo adiantar que este é uma adaptação americana de “O Cidadão do Ano”, de 2014, dirigido por Hans Petter Moland, que curiosamente encabeçou a direção de seu remake nos Estados Unidos. A história original diz respeito a Nils, um norueguês que decide investigar a morte de seu filho, que repentinamente sofre uma overdose. Desconfiado, Nils acaba envolvendo-se com a máfia nórdica, e resolve matar cada um dos envolvidos no falecimento de seu filho.

A sinopse da versão americana quase nada tem de diferente, senão a transposição da história para o interior dos EUA, e o fato do protagonista ser o Liam Neeson. Sim, é bem possível que o longa seja recepcionado como mais um thriller de vingança estrelando o ator – o que não deixa de ser verdade –, mas há algumas particularidades que fazem deste filme algo além na própria filmografia do astro. Se a franquia “Busca Implacável”, que coroou Neeson como o grande papai protetor do cinema, tornou-se aquele negócio insosso (muito devido a inaptidão para o cinema do diretor Olivier Megaton), “Vingança a Sangue Frio” parece lidar melhor com limitações e tem um olhar curioso quanto aos thrillers americanos.

O filme já abre com uma citação do próprio Oscar Wilde: “Alguns causam felicidade em qualquer lugar que chegam, outros em qualquer lugar que deixam”. Graças a essa inesperada abertura e o calmo tom dado aos primeiros vinte ou trinta minutos de duração (e mais importante, sem ter assistido nada do diretor), fui acreditando que este seria um filme austero, higienizado, com momentos de vazio prolongados, tudo enfatizado pela cinematografia limpa e desguarnecida, digna dos estereótipos do cinema nórdico.

Sinceramente, são trinta minutos muito complicados, com tentativas de desenvolver pelo menos umas quatro tramas: a reação ao luto totalmente díspar da mãe, que se vê uma estranha diante do filho, e do pai, que está em estado de negação, a história do que se converterá no vilão, um homem de negócios megalomaníaco e fanático pelo bem estar do filho, e além de tudo o enredo de dois policiais que se deparam com uma onda abrupta de assassinatos naquela cidadezinha de interior. As flexões morais, a rigidez tonal, a sobriedade daquele transe post mortem de um ente querido, já não fazem tanto sentido, nem graça, numa realidade onde a maioria dos filmes do gênero tem essa mesma motivação. Cheguei a me questionar se estaria assistindo algo que foi direto para televisão nos Estados Unidos, e alguma distribuidora achou razoável lança-lo no Brasil.

Mas por sorte eu estava enganado. Quando Liam Neeson resolve mostrar para o que veio, o filme dá uma virada muito interessante: de repente, torna-se uma espécie de comédia satirizando o cinema de ação, questionando as motivações e habilidades do pacato homem de família interiorano que de removedor de neve se vê como um habilidoso e vingativo matador. Para quem estava assistindo a um thriller disfarçado de drama amargo e reflexivo, logo torna-se uma sequência de esquetes violentos cujas piadas não passam de formas criativas e sádicas de se matar alguém, ou até mesmo a forma inepta e amadora de Liam Neeson lidar com sua busca sangrenta. Tanto é uma antologia humorística que cada morte é vista como uma punch line, seguida de uma cartela com o nome de quem morreu, indicando o prosseguimento da história e o encadeamento de outro assassinato.

Essa corrida implacável de um pai querendo proteger seu descendente por meio da violência acaba sendo tema recorrente do filme, por debaixo do bem-humorado derramamento de sangue. Liam Neeson (não pela primeira vez) usa armas para vingar a morte prematura de seu filho, o líder da gangue que está envolvida na morte é super protetor em relação a sua criança, mas não percebe como o meio que ele está envolvido é nocivo, mais tarde no filme índios que se envolvem com a máfia revelam essa tradição vingativa e cruel, cujo dever de proteger o filho é mais importante até que a própria vida do pai. Há, no fundo, essa lição de que tudo poderia ser resolvido sem uma gota de sangue derramada caso nenhuma das partes envolvidas tivesse esse instinto sanguinolento… mas aí não teria filme, não é mesmo?

Acaba que Hans Petter Moland entendeu direitinho o que diz respeito aos filmes do Liam Neeson: um cara maluco que derrama a maior quantidade possível de sangue só para sentir a sensação de dever comprido, mesmo que isso não traga a vida do filho de volta e só cause uma onda de criminalidade no que antes era uma cidade tranquila. Ao menos tudo é visto de maneira bem humorada e bem sacada, pontos positivos para o diretor norueguês que capturou de forma essencial e conscientemente sensacionalista a individualidade americana do “homem de bem”.

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