Situado na segunda metade da década de 80, Wall Street – Poder e Cobiça traz Bud Fox (Charlie Sheen), um jovem e pretensioso corretor de ações da bolsa de valores que, cansado das migalhas de seu atual emprego, busca conquistar o respeito de Gordon Gekko (Michael Douglas), um milionário e renomado empresário e investidor. Nos primeiros minutos, acompanhamos um dia normal na vida do protagonista. As curtas cenas que inserem o personagem na multidão andando pelas ruas de Nova Iorque deixam o espectador ciente de que aqui, trata-se de um cidadão normal. Mas ao adentrar a empresa onde trabalha, vemos que Bud possui aspirações.
O corretor não está contente com sua atual situação, e seus diálogos com seus colegas de trabalho são eficientes não só para mostrar sua vontade de crescer profissionalmente como a dificuldade em faze-lo no mundo financeiro. Fox vê em Gordon Gekko uma esperança de salto em sua carreira. Liga diariamente para o escritório do investidor, mas nunca passa pela secretária. Um dia, porém, Bud descobre ser o aniversário de Grekko e aproveita o ensejo para ir pessoalmente até seu ídolo. Agarrando a oportunidade, o protagonista então passa a ser o aprendiz de Gordon.
A direção de Stone é inteligente ao mesclar planos gerais de Nova Iorque com contra-plongées para estabelecer a grandiosidade dos prédios de Wall Street. O foco nas construções com a adição de centenas de pessoas indo e vindo também cimenta que as pessoas são efêmeras diante do imutável e imponente imperialismo de Wall Street. Diferente de Scorsese, que em O Lobo de Wall Street usou o mundo financeiro para falar de pessoas, Oliver Stone usa arquétipos do ambiente corporativo para fazer uma crítica à Bolsa de Valores. Os planos girando ao redor dos personagens não funcionam só para dar dinamismo às cenas, mas principalmente para retratar a busca por espaço no competitivo meio financeiro. Tanto dos funcionários quanto das empresas menores.
Em alguns planos, observamos que a mudança de perspectiva dos planos que giram e o deslocamento dos personagens pelo cenário reposiciona figuras atrás de objetos, sugerindo que estes estejam perdendo espaço. Na primeira reunião entre os personagens principais, por exemplo, quando o protagonista falha em sua primeira tentativa de cativar o futuro mentor, enquanto Gekko vira de costas para Bud para falar ao telefone, o jovem corretor se senta e tem seu corpo ocultado por uma luminária.
Na mesma cena, Gordon levanta-se e caminha ao redor do protagonista, mostrando como este facilmente conquista Bud, totalmente mesmerizado por seu ídolo. Como resultado por degustar de um outro patamar de negociação, Fox não tem mais o mesmo entusiasmo ao voltar para seu emprego em uma empresa menor.
Outra escolha interessante de Stone é unir um plano de um prato de comida com outro de uma tela de computador com projeções financeiras por meio de um corte seco, expondo a fome por dinheiro do protagonista. A ganância de Gekko também é muito bem representada em uma cena onde, num vestiário, o personagem fala para seu aprendiz que no mundo de Wall Street não há amizades, para em seguida, com um tom amistoso, puxar papo com outro investidor que passa por ele, e logo depois retomar o tom sério e incisivo usado anteriormente.
Na cena, percebe-se que Gordon conversa mantendo seu olhar fixo em um espelho que está no canto da tela, deixando o espectador ver apenas seu reflexo. Tal cena não só constrói a maleabilidade de Gekko para se aproximar de todos que possam lhe beneficiar em algo, como mostra, com o espelho, sua necessidade de alimentar o próprio ego. Logo em seguida, o antagonista de Michael Douglas dá o golpe final para ter o protagonista em suas mãos, como uma marionete, ao conduzi-lo a implorar por uma nova chance, o espectador vê Gekko revelar sua verdadeira face ao ordenar que Bud o traga informações “por fora do sistema”.
Para evidenciar a revelação deste lado negro do antagonista, a fotografia escurece o plano e oculta tudo que está atrás de Gordon, deixando apenas parte de seu rosto iluminada. Um momento sutil, quase imperceptível, mas que destaca o nível de construção de personagens da obra. Para confirmar que está sobre o controle do jovem corretor, o milionário investidor tem outra interessante cena, onde após o protagonista lhe negar um pedido, permanece imóvel, olhando para seu relógio, apenas esperando que o jovem volte e peça, mais uma vez, por uma chance de trabalhar para ele.
Mais tarde, enquanto Gekko demonstra sua real personalidade, Fox passa a perder a sua. A atuação simples de Charlie Sheen poderia ser um incômodo, mas acaba sendo extremamente adequada para seu personagem. Um dos elementos que melhor estabelece sua perda de personalidade é seu novo apartamento, onde sua namorada escolhe toda a decoração, inclusive com elementos que o próprio Bud, em cenas anteriores, demonstrou não ter o menor apreço. Bud, aqui, não está entrando no “jogo de gente grande”, está vendendo sua alma, seu caráter, abrindo mão de sua essência. Outro fator que evidencia esta mudança de personalidade é o penteado do protagonista, que passa a emular o de seu mestre quando este passa a ser uma peça de seu jogo.
Além de todos os elementos destacados, que enriquecem de forma admirável a construção da relação aprendiz-mestre de Bud Fox e Gordon Gekko, a atuação de Michael Douglas merece destaque. Tendo sido corado com o Oscar de melhor ator, Douglas encontra uma postura vocal uniforme mas sempre imponente, assim como a forma com que constrói a parte física do personagem, que está sempre guiando outros personagens pela cena, apontando para onde devem ir, conduzindo seus olhares e atitudes, como um exímio manipulador. E para estabelecer sua arrogância, seus olhares desdenhando de roupas e ideias mais simples são extremamente bem inseridos.
Infelizmente, a obra não é capaz de explorar o lado humano tão bem quanto explora a violenta relação do mundo financeiro. O relacionamento entre Fox e seu pai tem uma boa cena quando estes se desentendem e brigam no elevador, mas esta não tem uma continuação adequada na obra. Wall Street tem como condutor de sua narrativa a analise do mundo de Wall Street e desliza quando se afasta dela.
O ato final poderia recorrer à uma conclusão otimista focada na humanidade do protagonista, mas inteligentemente mostra a inexorável realidade do agressivo mundo de Wall Street. O plano final, que traz uma visão aérea do corretor e, através do zoom-out se distancia e gira para enquadrar a imponente silhueta dos prédios de Nova Iorque volta a evidenciar o quanto as pessoas são efêmeras, descartáveis nesse mundo, diante da grandiosidade das grandes empresas e seu sistema. Wall Street não foi uma obra tão bem sucedida quanto Platoon, obra anterior de Stone, mas é um interessante estudo do mundo financeiro e de como este corrompe os que dele dependem.