Plano Aberto

Zona de Combate

Não são raros os filmes de guerra que criticam o belicismo americano. Na contemporaneidade, porém, há uma tendência que faz com que essas obras dêem um valor maior à ação (caso do bom Resgate). No pior dos casos, tais longas podem até mesmo adotar um tom desprezível disfarçado de patriotismo, que nem esconde seu apreço por uma das características mais asquerosas dos Estados Unidos (caso do terrível 12 Heróis). Obras que critiquem a cultura bélica americana não deixaram de existir na indústria hollywoodiana, mas se tornaram, além de mais escassos, mais… Esquecíveis. São obras repetitivas e pouco engenhosas. Surpresas como Zona de Combate, portanto, são uma bela exceção nesse mercado de blockbusters de ação ambientados na guerra. Principalmente pelo fato de seu diretor, o sueco Mikael Håfström, conseguir trazer novidades não pela visão, mas pela postura política e pela mescla de ideias, referências e gêneros que permeiam a narrativa de Zona de Combate.

No filme, ambientado em um futuro distópico no qual robôs participam ao lado de soldados das diversas guerras e invasões que os Estados Unidos promovem no mundo, o piloto de drone Thomas Harp (Damson Idris) é realocado para uma missão no campo de batalha após causar um acidente com vítimas fatais. Ao seu lado está seu superior, o ciborgue Leo (Anthony Mackie). Poderia ser uma simples adição de ficção-científica à narrativa para potencializar a ação, mas Håfström tem pretensões bem maiores para a relação entre Harp e Leo.

Ao passo que a dupla segue com sua missão, aos poucos percebemos como Zona de Combate é um filme que até aproveita seu co-protagonista ciborgue para criar cenas de ação interessantes, que remetem a filmes clássicos dos anos 80 calcados na ideia de um exército de um homem só (não pela estética, mas pela ideia em si). Leo é, afinal, um soldado projetado para a guerra, que atira, corre, luta e pensa melhor e mais rápido do que os outros. A grande adição de ficção-científica de Zona de Combate, entretanto, não está na exploração do potencial físico e imagético de Leo, e sim no simbolismo e nos ideais do personagem.

Håfström faz do dilema central do ciborgue o seu conflito existencial e suas crises com seus criadores. Só isso, por si, já tornaria o filme interessante, mas o diretor ainda dá um passo além e transforma Leo em um personagem pronto para projetar várias questões geopolíticas interessantes; o robô se torna um dispositivo político, uma resposta a seus próprios criadores em virtude de seu impulso autodestrutivo. A óbvia desumanização de figuras de guerra, por exemplo, é pouco a pouco trabalhada de forma crítica conforme conhecemos mais personagens e compreendemos suas motivações e impulsos. Paralelamente, o fato de Harp ser o sujeito que esteva sempre por trás das telas, pilotando um drone como se fosse um videogame, passa a viver na pele o que a guerra representa de fato.

Responsável por inúmeros abates enquanto piloto em um computador, que operava de dentro de uma sala segura e tranquila, Harp é obrigado a sujar as mãos e sentir na pele o que é a guerra. Se antes o soldado de certa forma ostentava uma marca de dezenas de ataques bem-sucedidos, o primeiro tiro em um inimigo no campo de batalha é uma situação traumática para o personagem. Håfström está a todo momento explorando a humanidade da dupla protagonista e a forma como ela é testada em um cenário de terror. O diretor quer sempre investigar o efeitos disso em Harp e Leo, e consegue, com isso, fazer comentários muito interessantes sobre os Estados Unidos.

Quando Harp precisa correr para não ser, ironicamente, alvo de um bombardeio de drones norte-americanos, é que o personagem finalmente percebe a brutalidade do contexto ao seu redor. O que poderia ser um momento heróico sob outro ponto de vista, se torna denso e trágico quando o protagonista vive na pele o que seu país promove pelo mundo. “Agora você vê seu trabalho em primeira mão”, diz Leo a Harp quando o ex-piloto lamenta todos os mortos no bombardeio.

Voltando a Leo, é interessante ainda pensar como o ciborgue personifica todo o modus operandi do exército americano. Desde a exploração de sua mão de obra – a forma como o personagem deliberadamente usa e manipula Harp – até o ideal de exterminar seu inimigo a qualquer custo em prol de um “bem maior”. No caso, porém, por ter suas próprias diretrizes e ser uma máquina, o senso de justiça de Leo acaba sendo tão distorcido quanto o da América, mas com um alvo diferente. É como se, no filme, o destino fizesse a criação se voltar contra o criador justamente por repetir seu método e identificar nos Estados Unidos uma ameaça para o resto do mundo.

Zona de Combate está bem longe de ser um filme grandioso, mas é um daquelas obras não muito pretensiosas que conseguem, pela mistura de gêneros e sub-gêneros (ação, espionagem, ficção-científica) e pela forma como utiliza todos eles para justificar seu conteúdo, funcionar tanto pela porradaria e pelo tiroteio, quanto pelas críticas feitas durante essas cenas. A ficção-científica utilizada como dispositivo potencializador da ação e também como meio que permite ao filme não só desenvolver suas críticas geopolíticas, mas as personificar em uma máquina que, assim como quem a criou, quer apenas destruir.

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