O sucesso sem precedentes de Stranger Things balançou os rumos da televisão americana. Se séries como Breaking Bad revolucionaram o mercado pelo uso da linguagem cinematográfica, outras, como Game of Thrones, levaram às telas televisivas o poder econômico do cinema, impressionando pela qualidade e pela escala da produção. Stranger Things, porém, trilhou um caminho diferente das duas citadas, trazendo não uma revolução técnica ou narrativa, mas apostando na força da nostalgia da década de 80 para conquistar o público. E funcionou.
É normal, então, que haja cada vez mais obras surfando na onda de ST. The OA tentou seguir uma trama de mistério com ficção científica, mas sem a mesma nostalgia de Stranger Things. Já no cinema, o incontestável sucesso da nova adaptação de It: A Coisa mostra como a nostalgia oitentista vem dominando o cenário – aliás, no caso de It, vale ainda lembrar que a obra original, o livro de Stephen King, é grande influenciador da forma narrativa de Stranger Things. Dark é, teoricamente, a resposta alemã ao sucesso de Stranger Things.
Na história (que revelarei o mínimo possível para evitar spoilers), acompanhamos curiosos eventos ambientados na fictícia cidade de Winden, na Alemanha, região que, no universo da série, se destaca por ser um importante polo de criação de energia nuclear. Uma criança desaparece misteriosamente, um pai comete suicídio e deixa uma misteriosa carta para a família, animais começam a morrer pela cidade, e uma aura sombria parece envolver todos que ali habitam.
Dark alterna-se entre passado e presente, fazendo uma conexão entre núcleos de personagens nos anos 80 e de outros em 2019. Pelo fato de o roteiro ressaltar que a cidade de Winden destaca-se por ser um polo de energia nuclear, e pelas manchetes de jornal que comentam a tragédia de Chernobyl, Dark logo estabelece um clima similar ao de Stranger Things. Enquanto o seriado dos irmãos Duffer calca a narrativa em torno do crescente tom de latente tensão gerado pela Guerra Fria, a série dos alemães Baran do Odar e Jantje Friese utiliza uma ideia parecida e constrói, como elemento de medo no inconsciente coletivo dos personagens, o temor por um novo desastre nuclear, como ocorreu na União Soviética.
A partir de tal relação, Dark utiliza diversos elementos para fortalecer a ideia do medo constante, desde referências ligadas à trama principal, como as aparições de grupos inteiros de animais mortos (sugerindo uma contaminação), até o medo real de contágio radioativo por parte dos personagens. Mas a mais eficiente ferramenta acaba sendo estabelecida pela fotografia, que utiliza uma paleta de cores fria aliada ao uso de sombras em boa parte dos enquadramentos, garantindo que haja uma atmosfera sombria semelhante à criada no filme A Bruxa.
Dark pode não alcançar o mesmo sucesso de Stranger Things, principalmente pela barreira do idioma (é difícil crer que uma obra de arte de língua alemã conseguirá equiparar o estouro de uma obra nacional nos Estados Unidos), mas, sem dúvida, é um produto competente em sua proposta, que é a de trazer de volta uma estética dos anos 80, misturada à uma trama de suspense e ficção científica e mantendo, no centro de todos os elementos, o contexto social de sua época. É, em um ano de muitos erros da Netflix, um dos maiores acertos.