Live In Pompeii representa mais do que a primeira apresentação com público no anfiteatro desde a época do Império Romano. 45 anos após gravar lá com sua banda (sem plateia), David Gilmour voltou à antiga arena de gladiadores para reencontrar fantasmas, naquele que é o único lugar do mundo tão protagonista quanto o ex-líder do Pink Floyd.
Para dimensionar o que simboliza este concerto, Live In Pompeii começa com os ensaios gerais, ainda na Inglaterra. Normalmente protocolares, aqui eles foram utilizados pelo diretor Gavin Elder (também responsável pela edição) para plantar sementes de uma história a ser contada durante as canções. Quando Gilmour fala sobre a fidelidade ao registro original, defende que haja interatividade, que os músicos possam trazer algo de novo para as músicas. O ar de descontração e intimismo é ratificado por um pastor alemão, deitado à vontade entre a banda.
Essa filosofia é refletida no ambiente: por questões de preservação do patrimônio histórico (a Itália não é o Brasil e o Anfiteatro de Pompeia não é o Maracanã), não foram permitidas pessoas nas arquibancadas. O povo assistiu ao concerto de David Gilmour da arena, local há dois milênios reservado para os protagonistas. Essa proximidade, junto com a limitação para apenas 2.600 espectadores por noite (foram duas as apresentações), reforça o clima de intimismo e interatividade. Há uma participação efetiva da plateia na beleza sui generis de Live In Pompeii.
A oportunidade singular de tocar numa arena com arquibancadas vazias permite que o design de iluminação banhe a pedra milenar com azuis, vermelhos, amarelos e verdes, descolando o Anfiteatro de Pompeia da realidade, como se aquele momento não pertencesse a nenhum ponto específico do tempo, mas a todo ele em sua plenitude. Algo que Gilmour também havia destacado: a importância de usar uma atmosfera de beleza para dar à audiência uma experiência inesquecível.
E é sensível o quanto cada um dos presentes venera este símbolo da sociedade ocidental, principalmente Gilmour: o rapaz que quebrou dois mil anos de silêncio em 1971 volta para mais uma dança com o pequeno colosso (e não há nenhum contrassenso em chamar o Anfiteatro de Pompeia num “pequeno colosso”), que já existia antes dele e continuará a existir depois. A fotografia de Nick Wheeler, além de primorosa em preservar e transmitir para a tela o trabalho da equipe do show, usa planos que realçam a figura idosa de David Gilmour, porém jamais cansada. Seu estilo ergonômico para tocar e cantar, onde nenhuma nota sobra e todas são fundamentais, aliado à frugalidade diante do microfone, em vez de representarem um homem no hipogeu da vida, simbolizam a serenidade de quem nunca perdeu o prazer com a música.
E, se Roger Waters pode ser considerado o cérebro do Pink Floyd, David Gilmour sempre foi o seu coração: as canções novas (Rattle That Lock atingiu a certificação de disco de ouro no Reino Unido e figurou no top-5 da Billboard americana) funcionam no setlist como se tivessem sido compostas nos anos 1970. Os clássicos do Pink Floyd, grande atrativo da noite, em momento nenhum soam datados. A sensação de Live In Pompeii é de um encontro no meio do caminho, onde tudo faz sentido. A montagem de Elder se preocupa em conduzir o olhar do espectador para o que de mais importante acontece a cada momento do espetáculo, mas sem perder a narrativa interna do próprio show, sintetizada pelos curtas-metragens exibidos no telão atrás do palco.
E não existe ser humano com um pouco de sangue fluindo pelas veias que não perceba um novo sentido para canções como “Time” ou “The Great Gig in the Sky”, ambas sobre a efemeridade da vida e o medo da morte, em um palco que resistiu à erupção vulcânica mais famosa da História, cantadas por uma silhueta destacada de um fundo colorido, em muitos momentos com os vincos da idade marcando seu rosto, mas nunca dissociado de um sorriso sincero.
Essa felicidade também é sentida na banda, com destaque para Chuck Leavell (Allman Brothers Band e Rolling Stones), Chester Kamen (Paul McCartney, Robbie Williams e Madonna) e João Mello, saxofonista brasileiro de apenas 21 anos. Existem bandas de apoio que tocam pela visibilidade e pelo cachê, mas há entre os músicos e Gilmour uma sinergia de família.
Live in Pompeii representa o reencontro de dois velhos amigos, perfeitamente cientes de que o tempo é um detalhe para quem não teme o próximo passo. Se a primeira vez foi intensa, esta foi transcendental. E a única chance de vê-la no cinema será no dia 13 de setembro. Apenas vá.