Plano Aberto

Deadpool 2

Deadpool 2 Ryan Reynolds

“Deadpool 2”, assim como seu antecessor, é um filme que areja as adaptações de quadrinhos no Cinema. Enquanto a Disney/Marvel tem um projeto tão ambicioso quanto limitador de parte da liberdade criativa de seus realizadores e a Warner/DC está mais perdida que daltônico montando cubo mágico, a Fox – quem diria – se encontrou. Foi com o Mercenário Tagarela, em 2016, que os filmes de super-herói com censura 18 anos se provaram economicamente viáveis. Sem ele, não haveria Logan, o melhor filme do gênero desde “Batman: O Cavaleiro das Trevas”.

A X-Force é só uma das novidades de “Deadpool 2”

Seguindo os acontecimentos do primeiro filme, “Deadpool 2” mostra Wade Wilson (Ryan Reynolds) já estabelecido como o mercenário conhecido pelos leitores. Seu fator de cura e as habilidades de campo tornam Deadpool um matador infalível. Seu relacionamento com Vanessa (Morena Baccarin) atinge um nível superior quando o casal decide ter um filho. Até o hilário Dopinder (Karan Soni) está “treinando” com Fuinha (T.J. Miller) para ser um mercenário. Tudo vai bem, até dar errado.

Esta sequência é dirigida por David Leitch (John WickAtômica). Além da melhoria esperada nas cenas de ação, o americano consegue introduzir camadas de drama na vida de Wilson numa medida em que o filme não fica pesado, mas evolui em relação ao primeiro. Se “Deadpool” não dava respiro entre uma piada e outra, “Deadpool 2” consegue ter momentos pontuais em que sentimos pela perda de Wade e sua necessidade de encontrar seu propósito no Universo. É aí que entram os novos personagens da franquia.

Vanessa é uma espécie de guia para Wade, uma bússola moral para que ele use seus dons, finalmente, para o bem

Josh Brolin, o elo entre a franquia mais rentável e a mais divertida, tem menos oportunidades para construir um Cable trágico e ambíguo quanto foi seu Thanos em Guerra Infinita, mas é admirável sua capacidade de adaptação em qualquer papel, em qualquer gênero. Do policial corrupto de Sicario ao soldado mutante do futuro, podemos ver um ator com presença física e impostação vocal marcantes, com entrega nas cenas de luta. Mas a dignidade emprestada por Brolin a Cable é fundamental para viabilizar o personagem, que precisamente é engraçado por ser a antítese de Deadpool: sério até o fim. Essas qualidades faltam ao jovem Julian Dennison, intérprete do mutante Russell, que Wade Wilson se compromete a proteger. Com uma atuação sofrível, sacrifica boa parte do seu arco.

Russell vira uma espécie de MacGuffin: a corrida atrás dele movimenta o filme, mas ele próprio não desempenha grande função na história até o ato final

Qualquer um que tenha lido meia história do Deadpool sabe que se trata de um personagem muito particular. Caminhos narrativos tomados com ele funcionam porque, em si, o Mercenário Tagarela é uma sátira às histórias em quadrinhos, seu intrincado universo compartilhado e os absurdos óbvios de um mundo compartilhado por pessoas com super-poderes e reles mortais. Deadpool tem a “licença poética” para criticar tudo isso porque é de sua natureza. Quando Dominó (Zazie Beetz) diz que seu super-poder é sorte, o espectador (convenhamos: boa parte dos leitores de quadrinhos também) questiona o quão “chapados” estavam os roteiristas para criarem uma heroína com um poder tão ridículo. É exatamente o que Deadpool faz. Sempre que o filme anda por uma trilha clichê, com soluções preguiçosas ou mirabolantes demais, o próprio protagonista “reclama” disso.

As motivações de Cable não passam despercebidas pelo olhar crítico de Deadpool: ele seria um ótimo crítico no Plano Aberto

Com qualquer outro personagem, isso seria a maior muleta para disfarçar incompetência na História do Cinema. E apenas funciona porque “Deadpool 2” nunca se leva a sério. A própria escolha do antagonista Cable, um viajante do tempo, é uma troça com as sagas não-mexa-no-passado-ou-você-arruinará-o-presente. Inclusive, o tema rende uma das melhores cenas pós-créditos já feitas na história dos filmes com cenas pós-créditos.

Com cinco filmes de super-heróis sendo lançados todo ano, os que saem da mesmice têm vantagem. “Deadpool 2” não é apenas uma desculpa para piadas sujas, violência desnecessária e cameos inusitados (embora toda a suíte com o supergrupo X-Force tenha exatamente isso). É uma combinação de “Carga Explosiva” e “Bad Boys”, com referências pop e clichês narrativos dos anos 1990. Uma trilha sonora repleta de clássicos (de LL Cool J a DMX, passando por Salt-N-Pepa e Celine Dion) e um protagonista não apenas fiel às suas origens de tinta, mas que explora a plenitude da mídia audiovisual e mantém a sua própria coerência.

E Peter (Rob Delaney). Não esqueçamos de Peter. Não o herói que precisávamos, mas o herói que merecíamos.

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