Era 2014 quando “Amizade Desfeita” (ou “Unfriended”, no título original), de Levan Gabriadze, saiu nos cinemas americanos gerando um grande debate. Não era o primeiro longa a usar apenas o computador para contar uma narrativa de terror, contudo foi o que mais explodiu e popularizou essa nova fórmula. A história, toda gravada através do Skype em uma conversa de amigos, decorre após o suicídio de uma colega desses, que resolve retornar para atormentá-los. A obra é bem direta na ideia do uso desse vouyerismo claro – já que estamos observando tudo no computador do ponto de vista de uma pessoa -, ao mesmo tempo que abre possibilidades para algo que o terror tinha durante boa parte da sua trajetória: o uso dos espaços como elemento primordial.
Porém, para traçar essa história é preciso retomar o percurssor disso tudo. No caso foi o longa de 2002, “The Collingswood Story”, dirigido por Mike Costanza. Também dentro do gênero, a obra aborda um relacionamento a distância de um casal. Em uma primeira tentativa experiemental do uso da ferramenta das webcans (bastante populares no período), é curioso como ele se utiliza muito mais de algo fisico, até com traços de torture porn. Esse elemento vai ser glorificado por “Megan is Missing”, de 2011, feito por Michael Goi. O filme, que ganhou destaque recentemente em diversos tik toks, usa e abusa do lado mais gráfico possível, sem sequer saber o porquê está utilizando a ferramenta dos computadores. É como se fosse um artíficio que estava aberto a essa possibilidade, porém que não faz sentido dentro dessa, e nem de nenhuma das obras até então destacadas.
É por isso tudo que “Amizade Desfeita” busca explorar um elemento fundamental do gênero e que faz sentido de ser abordado em uma tela do computador: o lado atrás das personagens. Aqui podemos rememorar Orson Welles em “Cidadão Kane” a ser o primeiro utilizando de forma consciente o elemento do fundo dos planos. Isso é trazido de forma vêemente como elemento narrativo no longa de 2014. A começar que, como estamos vendo tudo sob um ponto de vista de primeira pessoa, estamos sempre a um pé atrás de toda a situação. Se a protagonista não está em um momento usando a câmera para conversar com amigos ou o namorado, é impossível saber até que ponto ela está realmente segura sobre o que poderia estar em sua volta. Quando estamos de frente observando cada um dos personagens, também há uma desenvolvimento do mundo de possibilidades do que pode acontecer com cada um. E é nisso que o trabalho do cineasta Gabriadze mais se baseia.
Pode parecer bobo, mas faz bastante sentido que isso aconteça. O gênero de terror – fora desse formato – se baseia bastante na ideia do que é “impossível de ser visto”. O elemento fundamental não é o medo, mas o entendimento sobre como esse medo vai ser construído através do que ou não podemos entender (no caso de algo sobrenatural) ou que não sabemos aonde está. Ao nos defrontarmos com uma narrativa a qual nem é possível ter uma solução direta sobre o que pode estar acontecendo, já que estamos sendo controlados pela protagonista, tudo se torna possível, o que ganha maiores contornos ao desktop horror.
É curioso como essa forma decorre na sequência ao sucesso dos found footage. Atingindo o ápice no ano de 1999, com o lançamento de “A Bruxa de Blair”, os longas desse estilo trazem também possibilidades narrativas ao horror, mas que sempre acabaram sendo exploradas de forma a absorver o “susto barato”. O caso dos “Atividade Paranormal” talvez seja o mais sintomático nesse sentido. Contudo, a nova maneira de pensar através da tecnologia também abriu possibilidades que o terror feito por computadores iria começar a aperfeiçoar ao longo do tempo, especialmente no caráter do controle do que pode ou não acontencer.
Assim, entrando em um meio também do suspense, é impossível não abordar “Buscando…”, de 2018. O filme de Aneesh Chaganty acaba tentando ficar em um meio termo de uma narrativa tradicional, com o uso do desktop para consolidar a tensão. Na primeira hora da trama, vemos como a construção desse receio do que poderia ter acontecido a filha do protagonista vai gerando angústia, especialmente pelo fato de não termos controle sobre como agir nessa circunstância. Novamente, o elemento da condução é fundamental para nos visualizarmos como espectadores a um personagem nesse meio. Contudo, quando as resoluções começam a acontecer, tudo se torna mais tradicional, até mostrando imagens da tv dentro de uma tela de computador. Faz sentido com as possibilidades que temos na tela, porém parece apenas um truque barato e não um verdadeiro elemento do uso do formato.
Todos esses pequenos elementos levam ao ápice do que o desktop horror construiu até aqui: “Host” (ou “Cuidado com Quem Chama”, no título em português), comandado por Rob Savage, lançado em 2020. A base da história é até bem similar a “Amizade Desfeita”, já que vemos uma reunião de amigos – dessa vez pelo zoom e em meio a pandemia de coronavírus -, que acabam por invocar um espírito na casa de cada um.
A realidade simples da trama, no entanto, comporta os diversos usos do espaço como meio de tensão e medo em toda a duração. Um dos exemplos é o fato de uma das meninas que conversa ter uma espécie de “papel de parede” em gif, na qual ela entra no quarto e vai andando por ele. Esse elemento, bastante simples, torna-se peça fundamental para o desenvolvimento do horror com essa personagem. Da mesma forma, vemos um dos amigos em uma casa de campo com a namorada. O ambiente aberto em que ele está possibilita ao nunca sabermos o que pode acontecer nesse local. Isso também decorre nos outros personagens, já que todos não se mantém estáticos, mas a todo momento buscam mostrar aos amigos determinada situação estranha em cada casa.
Isso vai transformando “Host” em um filme de possibilidades. Em sua parte final, assim como no início, ele abraça essa abertura de fronteiras do digital, ao abrir também a busca pela ajuda – que se torna algo sempre impossível apenas pela tela do computador. O longa se utiliza de todos esses espaços inerentes da casa (o que gera até uma interlocução clara em meio ao isolamento social) para consolidar o medo que não está apenas no que a câmera consegue capturar diretamente, mas também aos arredores, que essa mesma câmera também pode chegar.
Obviamente, esses não são as únicas obras que se utilizam da ferramente do computador para desenvolver sua narrativa. Em games, por exemplo, isso tem sido algo cada vez mais desenvolvido, em jogos como “Her Story”. Todavia, o cinema parece ainda caminhar nos primeiros passos para a possibilidade do desenvolvimento da tecnologia não ser apenas um elemento micro dos filmes, mas algo massificado para abrir espaços a novas narrativas. E nesses possíveis caminhos, o desktop horror parece algo cada vez pensado a abraçar o uso dos espaços no medo. Isso claramente não é novo, como disse anteriormente. Todavia, sua forma de ser pensada é sim cada vez mais contemporânea.