Plano Aberto

Desventuras em Série 2×01 – Inferno no Colégio Interno: Volume 1

Texto sobre “Inferno no Colégio Interno: Volume 1”, primeiro episódio da segunda temporada de “Desventuras em Série”. A crítica da temporada completa está aqui.

A primeira metade de “Inferno no Colégio Interno” é como voltar a uma antiga casa de férias. “Desventuras em Série” não teve uma primeira temporada exatamente brilhante (leia a crítica aqui), mas tinha um diferencial em relação à maioria das séries de televisão dos últimos tempos: identidade visual. Isso permanece. Felizmente, não se resume a isso. No primeiro episódio da segunda temporada, houve uma melhora.

Não está fácil pra ninguém, Lemony

As dedicatórias de cada episódio a Beatrice Baudelaire, sempre melancolicamente apaixonadas, instantaneamente criam um sentimento soturno para os eventos que seguem. A constante quebra de expectativa, representada nos antagonismos entre Lemony Snicket (Patrick Warburton) e Arthur Poe (K. Todd Freeman), ao mesmo tempo revela a gravidade da situação dos órfãos Baudelaire e garante uma gag cômica recorrente, mas eficiente, graças à edição “seca”, de cortes abruptos entre um personagem e outro. Merecem elogios também os diálogos do roteirista Daniel Handler (o autor da série de livros), perfeitos para estabelecer este contraste. A série tem peso dramático no conteúdo, mas é uma comédia na forma. É uma aplicação de almanaque do humor negro.

O que torna esta “volta pra casa” melhor do que a partida não é nenhum senso de nostalgia. Na segunda temporada, “Desventuras” está mais consciente do público que atinge e se sente mais à vontade com o mundo construído nos primeiros oito episódios. Se o roteiro é “plano”, sem reviravoltas inesperadas (para as regras internas daquela realidade), e focado basicamente em construir bons diálogos, demais aspectos técnicos tornam “Inferno no Colégio Interno” não apenas um episódio esteticamente bonito, mas narrativamente funcional.

A paleta de cores se limita a variações de azul e ciano, cores frias análogas que transmitem uma ideia de unidade. A saturação baixa tira a identidade das cores e diminui os contrastes. Isso é reforçado pelo baixo brilho, criando um quadro “chapado”. O grande plano geral dá a dimensão da grandeza da Escola Preparatória Prufrock. Já a simetria da composição (atenção para a torre onde o monograma do portão está inserido, perfeitamente alinhada à torre no ponto de fuga) passa uma sensação de ordem inabalável. É um ambiente frio, atemporal e invencível. Uma prisão para os Baudelaire.

A Fotografia do episódio trabalha para tornar a Escola Preparatória Prufrock num ambiente opressivo e sem vida no uso das cores e, agorafóbico na escolha dos planos. Existe um padrão visual tão marcante que fica fácil para o Figurino apresentar as discrepâncias, os elementos estranhos que devem chamar a atenção do público, como a já insuportável Carmelita Spats (Kitana Turnbull) e a bibliotecária Olivia Caliban (Sara Rue).

Na imagem superior, um plano de conjunto mostra a grandiosidade das instalações da Prufrock, mas o banco diminuto também mostra que ela não está disposta a oferecer muito para os Baudelaire. O enquadramento colocá-los no centro da imagem também cria uma sensação de clausura. Em seguida, Carmelita aparece com um vestido rosa, que se destaca do restante da composição, mas ainda faz parte dele (a menina divide iluminação com o cenário). Isso não acontece com a bibliotecária, muito mais saturada, “viva” (e o amarelo é uma cor quente pura, enquanto o rosa é um vermelho anulado pelo branco).

Se Neil Patrick Harris segue imitando a atuação que Jim Carrey entregou no já longínquo 2004, ao menos ele transmite uma grande entrega ao papel. Ele segue sem ser o vilão ideal, pois não desperta nenhuma emoção intensa por suas ações. Num paradoxo digno de “Desventuras”, o ponto baixo de “Inferno no Colégio Interno” é seu protagonista.

Está apenas 14 anos atrasado, Neil.

Mas é uma série que merece a atenção de todos que estiverem navegando pela Netflix. Todos os episódios estão aqui.

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