Plano Aberto

Deuses Americanos 1×01 – The Bone Orchard

Deuses Americanos, série adaptada do livro homônimo de Neil Gaiman produzida pela Starz e distribuída pela Amazon Prime Video, tem em seu primeiro episódio uma identidade visual, um elenco que desponta para ser o grande fiador da obra e referências. Muitas referências.

Já no final do episódio, Deuses Americanos paga tributo a Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick

A abertura da série mereceria uma análise quadro a quadro, tamanha é a profusão de divindades surgindo na tela. Entre uma menorá com entrada S-Vídeo, Anúbis, aviões e um astronauta crucificado, o totem com a águia-careca (símbolo dos Estados Unidos) no topo se forma ao som de “Immigrant Song”, do Led Zeppelin, que fala precisamente sobre a chegada dos deuses nórdicos ao Oeste. A versão de Trent Reznor, originalmente utilizada em Os homens que não amavam as mulheres, passa com seus sintetizadores e minimalismo uma ideia pós-moderna à composição. Isso é consoante ao tom geral da série, onde velhos deuses coexistem com os novos.

O grande mérito de um primeiro episódio é motivar o público a assistir aos demais. Neste aspecto, Deuses Americanos desenvolve um trabalho sólido de storytelling ao deixar claras as regras internas da narrativa, as bases para o desenvolvimento da história. A dinâmica entre Mr. Wednesday (Ian McShane, 102% inspirado no personagem de Al Pacino em O Advogado do Diabo) e Shadow Moon (Ricky Whittle, certamente no papel mais relevante de sua carreira até aqui) será movida por duas verdades fundamentais: a fé tem poder criativo e Shadow é descrente.

A prova de que Wednesday fala a verdade é a forte cena de apresentação de Bilquis

Esse dualismo quase clichê se sustenta em atuações acima da média para serem ignoradas. Bom substitutivo para a versão impressa, onde a escrita de Neil Gaiman é o que sustenta o interesse do leitor por situações triviais. Mesmo personagens aparentemente caricatos como Mad Sweeney (Pablo Schreiber, recentemente em Orange is the new black) funcionam neste começo. A mistura entre o mundano e as variações do divino se dá de forma harmônica, criando um mundo estilizado, mas crível.

Sobre o estilo, o produtor Bryan Fuller (Pushing DaisiesHannibal) tem um material riquíssimo para construir um mundo real com elementos fantásticos. O livro Deuses Americanos é formado de digressões de Shadow sobre os Estados Unidos, as pessoas e a vida. Se combinar a isto a representação física de “deuses” como a mídia e a tecnologia, a série tem potencial de se tornar uma obra com identidade.

Uma das marcas do primeiro episódio de Deuses Americanos é a violência extrema, quase satirizada: repare como o diretor de fotografia Jo Williems usa uma paleta com três tons de azul extremamente suaves para dar maior destaque ao sangue dentro do quadro

Outro recurso usado sem parcimônia é o plano-detalhe. Além de orientar o olhar do espectador, a informação é passada pela dedução: o botão da camisa de Shadow, sua aliança, a vela de Bilquis, o carro de Wednesday. Na semiótica do Cinema, o plano-detalhe é o índice.

Uso de planos-detalhe em Deuses Americanos

Publicado em 2001, Deuses Americanos se provou um livro profético. Apesar de ligeiramente datado em alguns aspectos tecnológicos, a forma como a sociedade americana (a sociedade ocidental como um todo) venera cultura e entretenimento se mostra cada vez mais forte. A chance que a Starz tem nas mãos é de mostrar a um público ainda maior que estes deuses não são benevolentes, mas que estão em constante guerra para aumentar o tamanho do seu altar.

Leia as críticas sem spoilers dos demais episódios de Deuses Americanos:

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