“Git Gone” é precedido por “Head Full of Snow”. Para ler a crítica do terceiro episódio de Deuses Americanos, clique aqui.
Episódios-flashback tendem a ser verdadeiros fillers, termo inglês para “encher linguiça”: informações irrelevantes de personagens ou de eventos que nada acrescentam à cronologia de uma série. Mas “Git Gone”, se coloca a iminente guerra entre deuses no modo de espera, aproveita este tempo e desenvolve uma personagem importante para o protagonista Shadow Moon. Este episódio é sobre Laura Moon, sua esposa falecida. Ou quase isso.
Quando disse na crítica do primeiro episódio que Deuses Americanos usava os planos-detalhe como índices, já esperava por um avanço na utilização deste recurso para a narrativa da série. Logo no começo, ao mostrar Laura em seu trabalho como crupiê de um cassino, mais do que a óbvia temática egípcia, é no “baralho de Anúbis” que sabemos qual o Velho Deus protagonista de “Git Gone”.
A montagem de Howard Leder estabelece uma sucessão de movimentos mecânicos e repetitivos para mostrar uma Laura entediada pela rotina de sua vida, o que torna crível a sua decisão dramática que acaba selar o destino de Shadow. A própria forma como eles se conhecem e se aproximam já explicita seu anseio por algum tipo de emoção. A trilha de Brian Reitzell, se provando um dos pontos altos de Deuses Americanos, reforça a ideia de arrasto para qualquer ação de Laura, mesmo matar uma mosca. A função narrativa das moscas merece uma menção à parte: juntamente com uma mixagem de som que coloca os batimentos de suas asas muito mais altos do que realmente poderiam ser, servem para mostrar que ela, em certa medida, sempre esteve morta por dentro. Uma carcaça ambulante, atraindo parasitas.
Sua luta contra esse estado de morte em vida acaba sendo, paradoxalmente, a responsável por sua morte de fato, mas é também o que a traz de volta (infelizmente para os céticos, Shadow não teve uma alucinação). Sua ligação com o homem que amou em vida parece ainda maior na morte, embora os efeitos utilizados para demonstrar isso sejam um tanto quanto cafonas, preciso acrescentar.
A principal curiosidade de “Git Gone” fica a cargo da utilização brilhante dos episódios de Pica-Pau exibidos na televisão de Laura como reforço para características dos personagens: em “O Pica-Pau Come Fora”, o principal antagonista é um taxidermista (que ficou conhecido pela memorável frase “100 mil dólares…”), um profissional especializado em empalhar animais para lhe conservar as características físicas. Tal prática nasceu no Egito, de onde vem Anúbis. Em seguida, o clássico absoluto “O Rachador” fala sobre Shadow, um anti-herói que atua à margem da lei e, exatamente por isso, se torna admirado pelo expectador. Por fim, “Pica-Pau, O Pirata” mostra um protagonista disposto a correr um grande risco em troca de uma recompensa, o mesmo que Laura.
Ao concluir o episódio no mesmo ponto em que o anterior parou, acompanhamos a mesma linha do tempo por outra perspectiva e somos capazes de nos afeiçoar a Laura. Porque, mesmo em seu maior erro, ela foi motivada por sentimentos que todos nós compartilhamos.