“Excelentíssimos”, de Douglas Duarte, pode ser considerado uma espécie de prólogo de “O Processo”, de Maria Augusta Ramos. Se esse último gasta alguns poucos minutos com a sessão da Câmara dos Deputados que instaurou o processo de impeachment contra Dilma Rousseff, seguindo para uma longa e minuciosa observação de seu trâmite no Senado, o filme de Duarte é todo dedicado à primeira parte da derrubada da presidenta. E essas escolhas instalam uma diferença fundamental entre os dois documentários, já que enquanto o Senado ainda manteve, mesmo com todos os vícios do caso em questão, alguma aura de civilidade em sua condução, a Câmara apresentou de forma desavergonhada a barbárie instalada no legislativo federal.
Isso dá a Duarte um material poderosíssimo, que inclusive extrapola as conhecidas e infames imagens da votação do impeachment pelos deputados, já que o diretor acessou, como Ramos, os bastidores desse processo. No entanto, ele opta por um caminho menos observacional, de uma intervenção discursiva mais aberta. “Excelentíssimos” frequentemente interpela seus personagens, entrevistando-os (o deputado oposicionista Carlos Marun e o governista Sílvio Costa, por exemplo, dão longos depoimentos), e, sobretudo na primeira parte da narrativa, busca construir um detalhado painel explicativo da crise política brasileira, das eleições de 2014 até a aceitação do pedido de impeachment por Eduardo Cunha, no final de 2015.
Num dos poucos momentos de pura observação de “Excelentíssimos”, Duarte registra um culto evangélico na Câmara, protagonizado majoritariamente por políticos reacionários como Marco Feliciano (PSC) e João Campos (PSDB). No entanto, seu olhar passeia pelo local e encontra a deputada petista Benedita da Silva. A câmera se detém nela por alguns instantes, que parecem conter uma série de reflexões sobre a complexidade tanto do Congresso Nacional quanto da própria sociedade brasileira. Mas isso não é regra no filme. Nesse sentido, “Excelentíssimos” busca ser politicamente muito mais incisivo que “O Processo”, ainda que esse último jamais esconda sua leitura dos acontecimentos.
O que não é necessariamente positivo, já que o diretor acaba submetendo o material captado a uma explicação externa, complementar. Não à toa ele faz extenso uso de imagens produzidas por terceiros, de propagandas partidárias a vídeos com câmeras de celular, principalmente na primeira metade do filme. E aqui se encontra uma pequena armadilha, já que, num tempo de hiperprodução de registros visuais, o intento de dar conta de um complexo processo político por meio das mais diversas fontes dessa natureza tende a gerar uma sensação de incompletude. Um recorte exclusivo nas imagens de autoria própria talvez conseguisse evitar esse problema – também presente em “O Processo”, mas em menor medida, já que Ramos e a montadora Karen Akerman privilegiam o material produzido diretamente pela equipe do filme.
Mas “Excelentíssimos” é muito eficiente na concretização dessa proposta de um filme didático e politicamente agressivo sobre a queda de Dilma. Suas quase duas horas e meia de duração intensificam o horror diante dos estratagemas de deputados claramente despreocupados com a justeza do processo que conduzem, condicionados por uma mistura ideológica tosca de conservadorismo cristão neopentecostal, defesa da propriedade privada e da violência contra “vagabundos”. Duarte filma com especial repulsa Jair Bolsonaro, cada vez mais um personagem central da política brasileira. Há uma cena em que ele, após pronunciamento absurdo sobre o “vitimismo” que estaria tomando conta do Brasil contemporâneo, caminha às gargalhadas pelos corredores da Câmara, acompanhado de assessores e outros deputados. A música ouvida remete à presença de um grande vilão, que marcha triunfante. Esse é o tom adotado. No caso específico, com considerável justiça.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Plano Aberto para o 51º Festival de Brasília. Para ler outros textos de nossa cobertura, clique aqui.