Plano Aberto

Gaga: Five Foot Two

Lady Gaga é mais do que um fenômeno da música. Também ultrapassa a figura excêntrica. Não é possível definí-la como embaixadora do feminismo e da causa LGBT, tampouco. Lady Gaga é isso tudo. É também um ser humano, com falhas, medos e dores. Precisamente nesta lacuna, entra o documentário Gaga: Five Foot Two. Um recorte da vida da artista, do processo de composição do seu disco “Joanne” até o show realizado no Super Bowl LI, com uma audiência de mais de dois bilhões de espectadores ao redor do mundo.

Lady Gaga: se preparando pra voar

O documentário de Chris Moukarbel começa com uma tomada em contra-plongée das botas de Lady Gaga, num movimento suave abrindo o quadro para pegá-la subindo por um cabo durante os ensaios para o Super Bowl. Uma escolha muito feliz foi a música que acompanha este momento: “Kval Sviri”, “A Flauta Toca”. Este folk búlgaro que diz “A flauta está tocando, Mãe / E eu vou para vê-la, Mãe” (Lady Gaga é conhecida como “Mother Monster”, a “Mamãe Monstro” de seus fãs, os “Little Monsters”).

Moukarbel sempre procura dar ao seu trabalho um ar de informalidade e autenticidade ao que filme, muitas vezes com uma câmera amadora na mão. Mas o filme falha em passar uma verdadeira autenticidade no entorno: algumas conversas soam artificiais, como se o diretor precisasse de uma resposta de Lady Gaga naquele momento e não tivesse a sutileza necessária para conduzir a conversa até lá. Ou para manter a conversa em pontos interessantes, como o entrevero que a cantora admite ter com Madonna. Ou quando fala sobre o porquê de apresentações chocantes, traçando um paralelo entre si e Marilyn Monroe.

A única pessoa que está sempre sendo espontânea é a própria Lady Gaga. E alguns momentos chegam a ser chocantes por mostrarem, sem rodeios, uma figura frágil. Gaga demonstra cansaço na relação com seu, na época, noivo Taylor Kinney, desprendimento ao admitir que compor é um processo invasivo que vai “na parte danificada do coração” e dor física, com uma crise de fibromialgia exposta sem cortes. Algo para fazer os críticos ao seu cancelamento no Rock In Rio refletirem.

 

Sobre o tópico da insegurança, surpreende o quão insegura Lady Gaga é: momentos antes de gravar o clipe de “Perfect Illusion”, pergunta se os fãs vão se decepcionar por ela não estar fantasia. Por ser apenas ela. Uma decisão inteligente da edição é sobrepor às gravações áudios de fãs comentando nas rádios o que acharam da música. Elogios e críticas. Assim como no excelente documentário Amy, críticas como “tragam a verdadeira Lady Gaga de volta” soam ainda mais cruéis depois de sabermos que aquela é a verdadeira Lady Gaga.

A edição tem outro momento inspirado quando mostra diversas caminhadas de Lady Gaga de um lugar em que esteja até o carro que a espera. Todas com uma mulher aparentemente senhora de si e autoconfiante, com a diferença de que agora está claro que ela não está à vontade com o “ritual”. Isso ressignifica os gestos anteriores, colocando ainda mais peso nos ombros da estrela, que constantemente se diz cansada, com dor e com medo: de não ser aceita, não agradar ou de terminar os dias sozinha. Basicamente, medo de falhar.

Pensando em quem não conhece nada sobre Lady Gaga e assista a Five Foot Two exatamente para entender quem ela é, talvez o filme seja um pouco confuso. Os acontecimentos não são encadeados de forma a contar uma história coesa, estão mais para um apanhado de situações exibidas em sucessão. Ligeiramente caótico, como a própria Lady Gaga.

Em meio à composição do álbum “Joanne”, gravações de “American Horror Story” e preparativos para o Super Bowl, Lady Gaga encontrou tempo para prestigiar o batismo do filho de um de seus músicos

Ainda assim, a pessoa que motiva o documentário tem uma vida tão interessante e curiosa que o filme guarda momentos excelentes, como quando Lady Gaga mostra para a avó a versão finalizada de “Joanne”, canção dedicada à sua filha (tia de Gaga), morta aos 19 anos por uma lúpus não-diagnosticada. Ou o batismo do filho de um dos músicos da banda de jazz de Lady Gaga em que ela, vestida como que saída dos anos 1950, demonstra estar arrebatada por participar deste momento. A trilha toca “Five Foot Two, Eyes of Blue”, de Guy Lombardo, que diz “Se você esbarrar / Numa garota de 1,57m coberta de peles / Anéis de diamante e todas essas coisas / Pode apostar que não é ela”.

Angelina Calderone Germanotta, avó de Lady Gaga, ouvindo a canção que a neta compôs para a tia Joanne

Lady Gaga é mais do que aparenta ser. Uma mulher que finalmente se vê capaz e merecedora do que alcançou, lutando para permanecer assim. Sempre disse nas minhas conversas de bar que desejava ter com ela uma amizade do nível de quem empresta a chave de casa, pra que ela sempre tivesse um lugar aonde ir quando estivesse por perto. Um lugar onde se sentisse acolhida. Curiosamente, Five Foot Two me mostrou que é exatamente disso que ela mais precisa. Assista a esse ótimo documentário da Netflix clicando aqui.

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