Cada vez mais próxima do fim e mais distante do que espera-se de uma obra inspirada em George R. R. Martin, Game of Thrones dividiu opiniões em sua sétima temporada. De um lado, os fãs mais apegados aos livros consideram o sétimo ano o pior pela falta de carinho do roteiro ao tornar os conflitos e escolhas dos personagens fiéis aos seus históricos. Do outro, os fãs menos apegados à literatura de Martin sentem um calorzinho no peito por verem boa parte das fanfics e teorias passadas se tornarem realidade. Extremos à parte, o fato é que, com erros e acertos, Game of Thrones criou um cenário onde é difícil surpreender seu público, e escolhe abraçar os clichês e migrar de trama política manipulativa para uma aventura fantástica.
A primeira metade da temporada funciona para situar os conflitos e personagens. Eliminando alguns núcleos que já estavam desgastados, Game of Thrones sinaliza a chegada do fim ao não fazer cerimônia para dar adeus a tramas como a das mulheres de Dorne. Já nos primeiros episódios, porém, surge um dos maiores problemas da temporada: os deslocamentos. Se nas primeiras temporadas, GoT fazia questão de mostrar as distâncias entre reinos, fazendo com que personagens desaparecessem por três ou quatro capítulos enquanto viajavam, aqui tudo isso é ignorado. Corvos viajam do norte ao sul em questão de minutos, personagens cavalgam para além da muralha e voltam em questão de segundos.
Entra, então, o maior problema do sétimo ano: a fragilidade do roteiro. Todos os conflitos e acontecimentos, além de previsíveis, dependem de uma enorme suspensão de descrença por parte do público. E o pior: diversos acontecimentos ruins só existem para justificar conexões necessárias. O absurdo plano de Jon Snow, que consiste em capturar um zumbi para provar a Cersei que zumbis existem, é imperdoável, e só se justifica para que Daenerys ganhasse, então, um motivo para ir ao norte e, posteriormente, uma motivação para enfrentar o Rei da Noite e seu exército.
Ainda sobre os personagens, vários se destacam negativamente. Sam e Euron cada vez mais deixam de ter suas próprias histórias e passam a ser ferramentas do script para possibilitar o andamento da trama. Por outro lado, Daenerys e Tyrion melhoram muito em relação à temporada anterior. A primeira passa a ser mais atuante, agindo como uma líder e demonstrando mais motivação socio-política (a busca pelo equilíbrio em Westeros), não só uma inexplicável sede por poder, enquanto o segundo é enriquecido pela bela atuação de Peter Dinklage, que destaca-se por mostrar, ao mesmo tempo, a sabedoria de Tyrion e o medo de que seja incapaz de conduzir as situações da forma como acredita ser ideal.
O personagem mais bem trabalhado do ano, porém, passa longe das escolhas óbvias. O manipulador e cruel Mindinho segue seu jogo de enganação e consegue criar conflitos entre os personagens a sua volta. É interessante notar, inclusive, como a direção da série sempre é fiel ao seu caráter manipulativo. Percebemos, por exemplo, que a única vez que o público (e um personagem) consegue ver Mindinho tramando algum de seus planos, é justamente quando o personagem assim deseja. Mais saborosa ainda é sua derrocada, no season finale, quando a série é capaz de mostrar, pela primeira vez, a verdadeira face do personagem. Quando Baelish é exposto, além da auto-humilhação (enriquecida pela brilhante atuação de Aidan Gillen), a direção acerta ao utilizar planos abertos com o personagem isolado no centro, fortalecendo a sensação de exposição que domina a mente de Baelish.
Também interessante está Cersei Lannister, agora sem seus filhos, cede ao ódio e à loucura, criando um cenário tóxico em Porto Real que no futuro deve levar a sua própria ruína. Percebemos como sua ganância e ódio consumiram sua mente ao ponto da personagem ser incapaz de analisar cenários e fazer escolhas que não a coloquem em posição de poder. É interessante ver as diferentes curvas dramáticas de Cersei e seu irmão, Jaime. Enquanto a primeira torna-se cada vez mais cruel e egoísta, Jaime torna-se mais sensato e humano, diferença essa que culmina na separação dos personagens no fim da temporada – e que deve leva-los a entrar em conflito no próximo ano.
Se no script, GoT mostra-se cada vez mais previsível, pelo menos em questões técnicas e de linguagem a série volta a destacar-se. Mesmo quando erra, a tentativa de imprimir uma estética diferente agrada, como no esforço para fazer com que a montagem crie a sensação de desgaste com a rotina no arco de Samwell – que não funciona pela falta de desenvolvimento do personagem e do núcleo. Quando funciona, porém, a série espanta. Como no brilhante Spoils of War (que teve sua batalha dissecada aqui), quando o uso de enquadramentos, posicionamento de câmera concede uma aura cinematográfica à série, que não deve em nada às melhores cenas de guerra de filmes como Apocalypse Now e Resgate do Soldado Ryan.
A sétima temporada de Game of Thrones tem seus vacilos, mas encontra no carinho da construção dos anos anteriores seu ponto forte. Por tudo que foi estabelecido ao longo de sete temporadas, olhares e frases simples trocadas por personagens – como o Cão e seu irmão, Montanha – ganham um impacto dramático notável. Bem como as revelações trazidas pelas leituras de Sam e pelas visões de Bran, que dão vida a algumas das mais adoradas teorias dos fãs e funcionam para ligar pontas soltas nas subtramas da série. E o quão injusto seria julgar a HBO por ceder aos clichês? Como qualquer saga fantástica, Game of Thrones é entretenimento escapista e fantasioso. Se a série construiu tramas políticas complexas e mortes inesperadas em sua trajetória, foi justamente para que o público pudesse dar mais valor ao ser surpreendido quando o seriado se tornasse mais romântico em seus momentos derradeiros.
Mesmo que valorizemos a trama política, toda história precisa de um clímax, e que clímax é melhor do que épicas batalhas medievais envolvendo magia, romance e guerra? Game of Thrones é uma série que se transforma, trazendo nuances de gênero e temas e proporcionando uma experiência de entretenimento completa. Claro que o xadrez político foi interessante, mas uma mudança de tom não só era bem-vinda, como necessária e esperada. Ou alguém acha que os dragões que nasceram no season finale da primeira temporada seriam Mão da Rainha, e não protagonistas de grandes combates? Claro que, mesmo com uma transição de tom, a qualidade do roteiro poderia ser mantida. As coincidências e obviedades dos planos de cada núcleo enfraquecem as tramas dos personagens mais inteligentes, mas o produto final ainda é positivo por funcionar na estruturação dos principais conflitos (dando as devidas motivações para todos os líderes se interessarem pela guerra). A HBO resolveu apostar menos na profundidade e mais na intensidade, resta ao público abraçar ou rejeitar as mudanças.