O texto abaixo possui spoilers do quarto episódio da sétima temporada de Game of Thrones.
A essa altura do campeonato, é difícil esperar do público que tenha algum senso crítico ao assistir Game of Thrones. O sentimento de catarse coletiva já dominou os fãs, que apenas aguardam pela materialização das lendas e teorias que inundam a internet. Mesmo assim, a série continua surpreendendo por conseguir, a cada temporada, aumentar a escala da produção e enriquecer sua construção audiovisual, superando os diálogos expositivos e mecânicos que, em certos momentos, enfraquecem a narrativa. E, em meio a tantos momentos impressionantes, como a grandiosa Batalha dos Bastardos da sexta temporada, um se destaca de forma absoluta sobre o resto: o ataque de Daenerys e Drogon sobre o exército liderado por Jaime Lannister.
A cena calca-se no ponto de vista de Jaime, o que é o primeiro grande acerto de sua construção. Mesmo estando em posição vitoriosa após o conflito anterior – quando os Lannister surpreenderam o exército de Daenerys -, Jaime e seus homens se assustam ao ver a chegada do exército Dothraki. A grande sacada está em prender o espectador justamente na ótica do “vilão” da cena, que, além de ser o antagonista, é uma das figuras mais frágeis do combate (vale lembrar que Jaime Lannister não possui sua mão direita). Mantendo quase sempre a câmera na altura dos rostos humanos, o diretor consegue tornar desesperadora a sensação de vulnerabilidade que permeia a mente dos soldados quando eles começam a ouvir a chegada dos Dothraki. O travelling que passeia pelos rostos trêmulos e desesperançosos do exército é alternado por planos filmados da altura dos cavalos Dothraki, mantendo a câmera tremida e ressaltando o espírito selvagem e ameaçador dos guerreiros que estão para atacar. O resultado é uma atmosfera em que os Dothraki dominam e o exército Lannister teme.
Tornando o cenário ainda mais apocalíptico, chega Daenerys montada em Drogon. O dragão quase sempre é filmado de baixo para cima, ajudando a criar a sensação de impotência de seus alvos. Também é filmado quase sempre com certa distância, o que pode parecer apenas uma forma de poupar investimento nos efeitos especiais, mas funciona para criar um tom tenebroso enquanto a fera passeia pelos ares até chegar ao alvo e disparar suas chamas. A música, de forma certeira, torna o ambiente ainda mais infernal, com uma trilha composta por um coro masculino e violinos, que ressaltam o desespero dos homens queimando. Ainda mais incrível é a escolha de reduzir (e depois remover) a trilha quando os Dothraki alcançam o exército Lannister, dando espaço para os sons de cortes, desmembramentos, choques e golpes, além dos gritos de desespero e dor dos feridos, o que torna toda a cena ainda mais brutal.
No meio da cena, a câmera passa a adotar também o ponto de vista de Daenerys, o que não só é importante para ajudar na construção geográfica da passagem (por estar nas costas de Drogon, a Targaryen vê amplamente o território e compreende tudo o que ali existe), mas também para mostrar o tamanho do estrago das chamas lançadas por Drogon. Há ainda lindíssimos planos em slow-motion nos quais Drogon plana sobre o campo de batalha e transforma em cinzas todos em seu caminho. Alguns desses planos são concluídos com a aproximação de Jaime, o que novamente nos insere no ponto de vista do personagem e também ajuda a manter a coesão geográfica, mostrando que o personagem está na perseguição do dragão, em busca de soluções para contra-atacar.
Com a manutenção e alternância entre os três pontos de vista (batalha no solo, ar e externo [Tyrion]), o episódio consegue manter uma coesão visual, além de explorar todas as nuances do conflito. Vemos o embate entre o exército e os Dothraki, bem como os soldados que são incinerados impiedosamente por Drogon. Enquanto a cena caminha para o fim e Bronn se prepara para acertar Drogon pela primeira vez, a música se intensifica e aos poucos insere mais arranjos, que tornam a composição sonora cada vez mais densa, criando um clímax digno de um grande filme de guerra. Até no momento final, quando Bronn chega e salva Jaime de ser queimado vivo, há um carinho com a inserção de um plano subjetivo, no qual o mercenário vê um cavalo branco que momentos depois é utilizado quando o personagem resgata Jaime.
Com a fusão dos três pontos de vista em sua parte final, a batalha do episódio 4 da sétima temporada é uma aula de construção cênica e um exemplo perfeito de criação de clímax, estabelecendo, ao longo de seus curtos dez minutos, três pontos de vista diferentes, que se alternam e se entrelaçam justamente no grande confronto: a cavalgada de Jaime em direção a Daenerys. Com um domínio absoluto do ambiente geográfico e de todos os micro-confrontos que se estabelecem, o diretor Matt Shakman e o diretor de fotografia Robert McLachlan entregam uma cena com vários micro-clímax, que empolga pelo peso de seus acontecimentos na história e pelo exímio técnico de sua execução.
Game of Thrones pode até estar decepcionando pela obviedade do roteiro e exposição de alguns diálogos, mas é inegável que o carinho e o capricho da produção em batalhas como essa são não só um marco na história da série, como um marco na história das séries de televisão. Pela segunda vez, Game of Thrones entrega uma batalha que não deve em nada às melhores presentes em filmes como Apocalypse Now e Resgate do Soldado Ryan. Os fãs vão à loucura, os fanáticos pela sétima arte se surpreendem e a arte audiovisual agradece.