Para quem acompanha o cinema de Jean-Luc Godard nos tempos atuais, não é novidade que o cineasta entrou em um processo extremo de desconstrução da linguagem cinematográfica. O longa de 2014 “Adeus à Linguagem” talvez seja a marca definitiva desse rompimento estético proposto pelo lendário diretor francês, que foi um dos pilares da nouvelle vague. Entretanto, mesmo que não seja novidade, Godard continua experimentando e explorando novas possibilidades por meio desse modelo não-narrativo de cinema.
A projeção já tem início com uma sobreposição de imagens que não só entrega as pretensões de seu realizador, como também dá o tom que é dominante por todo o filme. A imagem de uma mão apontando para cima, como se o diretor pedisse a palavra, é projetada para nos avisar que, a partir dali, assistiremos a um manifesto político em forma de filme. Godard, que sempre foi um cineasta extremamente politizado, faz de seu filme um ensaio em vídeo sobre o mundo e seus rumos. Filosofando por imagens, o francês parte da dialética entre imagens para a construção de sentidos.
Há elementos complementares às imagens, como a narração em voz over do próprio Godard – que, vez ou outra, não é legendada, a pedido do próprio autor. A narração serve, em alguns momentos, como um guia para a profusão de imagens, mas está lá mais como um elemento para quebrar uma estrutura narrativa convencional e fortalecer esse “anti-cinema” que o diretor almeja ao se desapegar completamente de qualquer convenção estética ou narrativa. Aliás, o fato de as imagens projetadas estarem totalmente desgastadas e distorcidas, como se o filme estivesse apodrecido, também fortalece essa ideia de anti-cinema.
Godard parece acreditar viver na era do pós-cinema, uma era onde os filmes não mais dialogam com a realidade e não mais aproveitam todo o seu potencial político. “Imagem e Palavra” é um manifesto que tenta justamente incentivar uma mudança nesse cenário. A escolha de imagens indica uma tentativa de Godard de, cinematograficamente, guiar nosso olhar para lugares que estamos habituados a ignorar. “Imagem e Palavra”, portanto, mostra um cineasta que acredita piamente que história é narrativa, é recorte, e tenta, a partir disso, fazer o seu próprio, analisando o que o mundo está ignorando enquanto olha para o lugar errado.
Por utilizar apenas imagens de arquivo, a obra de Godard depende bastante de sua montagem – que é muito bem executada, diga-se de passagem. Essa montagem alterna entre imagens reais e recortes de filmes, rompendo com a barreira que separa ficção e realidade e desenvolvendo a ideia de que, para o autor de “Imagem e Palavra”, ambos estão igualmente contaminados pelos problemas do mundo atual.
Mesmo que seja possível extrair diversos simbolismos da forma como as imagens são justapostas ou organizadas, Godard recusa-se a utilizar uma abordagem mais direta, mesmo que no terceiro ato do filme haja um direcionamento para temas específicos. Godard faz um filme que desafia seu público, instiga o pensamento dialético e busca, pelo choque, plantar suas ideias. A não tradução proposital de algumas falas de sua narração acaba funcionando para expor uma dificuldade de comunicação presente nos tempos atuais.
Assumindo um olhar pessimista e um posicionamento de quem se vê em um cenário praticamente apocalíptico, Jean-Luc Godard faz uma espécie de testamento, uma obra que começa saudando, mas encerra despedindo-se do mundo. “Imagem e Palavra” soa como o resgate de imagens perdidas, que parecem habitar os anais de uma arte morta. A morte é evidenciada pela forma, mas a causa, para Godard, parece ser mesmo o conteúdo.